Basta circular pelo entorno da lagoa da Pampulha ou das várias praças de Belo Horizonte que se converteram em pistas de corrida para perceber como essa prática vem atraindo um número crescente de pessoas. Nos cada vez mais disputados eventos de corrida, então, as largadas chegam a ser tumultuadas por causa do grande volume de participantes. A mania, obviamente, não se limita a Belo Horizonte: dados da Tickets Sports, maior plataforma de venda de inscrições para eventos esportivos no Brasil, indicam que 1.421 corridas foram realizadas no ano ado em todo o país – considerando, claro, apenas os eventos cadastrados no site.   

Esse aumento de interesse é percebido por veteranos da prática, como o professor universitário Pablo Moreno, 41. “Participo de provas desde 2012 e notei, nos últimos dois anos, que elas estão mais cheias”, cita, acrescentando que, no dia a dia, nas ruas, também tem observado essa maior adesão à prática. “Talvez seja algo que venha de uma maior preocupação com a saúde, que pode ter uma relação com o pós-pandemia”, opina, destacando que o esporte tem características que favorecem essa popularização.  

“Para começar, é algo muito democrático e ível: basta um par de tênis e uma rua”, pontua. O lado negativo, porém, é que, em alguns momentos, a prática em si acaba ficando em segundo plano. “Já fui a alguns eventos em que as pessoas, em vez de correr, ficavam fazendo selfie, selfie em grupo, atrapalhando a atividade dos outros”, conta. 

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O boom das corridas ao ar livre, que também atendem por “running”, é observado também pelo professor e pesquisador Cléber Dias, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais (EEFFTO/UFMG). “É uma coisa muito impressionante”, avalia ele, corroborando a ideia de que, para correr, é preciso pouco ou quase nenhum investimento. “Há até um movimento que defende a ideia de que o ideal seria correr descalço”, aponta, descrevendo o corpo humano como uma máquina adequada para a atividade. “Não por outro motivo, em muitas sociedades, temos registros da caça de persistência, que consiste na perseguição de uma presa”, comenta. 

Elitização 

Na contramão do caráter democrático da corrida, contudo, Cléber Dias nota que a moda da vez veio acompanhada de certa elitização. “É algo que vem me chamando a atenção”, ressalta, contando ter realizado uma pesquisa na lagoa da Pampulha ao acompanhar, por um ano, um grupo de corredores. 

“Notei uma maior adesão à prática por pessoas da classe média e classe média-alta, que vivem o que chamo de ‘sonho do atleta’: são praticantes que compram tênis caros, um relógio inteligente, que levam o gel de carboidrato para tomar no meio do treino, adquirem camisas que absorvem o suor, investem em serviços de assessoria de corrida… Enfim, um grupo que investe e se paramenta, buscando melhorar sua performance”, avalia, ponderando que, por serem atletas amadores, de desempenho esportivo baixo, o investimento nesses equipamentos faz pouco sentido. “É um tipo de tecnologia que vai ajudar, de fato, o atleta de alto desempenho, que está no seu limite e, por isso, cada detalhe faz diferença”, considera. 

Medidas simples 

Em vez do investimento salgado nesse punhado de apetrechos, o educador físico Cléber Dias defende que a melhora do condicionamento por meio da corrida pode acontecer usando-se medidas mais simples e nada onerosas. “Um ponto importante é buscar evolução, mas faça isso de maneira progressiva. Ou seja, não tente sair do sedentarismo para o maratonismo. E, se possível, tente fazer parte de um grupo – existem vários em BH, como o Calma Clima, que é um fenômeno por si”, observa, fazendo menção ao primeiro grupo de running crew de BH, que visa à inserção da corrida no ambiente urbano.  

Integrar esses coletivos, detalha Dias, é uma estratégia que facilita o processo de tornar a prática parte do dia a dia. “As pessoas começam motivadas por preocupações de saúde e/ou estética. Mas elas se mantêm pelo prazer que encontram na atividade. E aí o grupo é um elemento muito importante. Há pesquisas que indicam que o pertencimento comunitário aumenta a adesão e engajamento”, expõe. 

Restrições e jeito certo 

Cléber Dias afirma que, em teoria, a corrida tem um quê de universal. “Mas é preciso ter ciência de que este é um esporte de impacto. Então, se a pessoa tem alguma condição de saúde, alguma limitação ligada às articulações, por exemplo, é preciso ter orientação adequada. Se está com excesso de peso, do mesmo modo, talvez não seja prudente começar correndo”, pondera. Além disso, ele recomenda bom senso. “É importante não tentar fazer coisas mirabolantes, como percorrer altíssimas distâncias, sabendo ouvir o próprio corpo”, aponta.   

O professor e pesquisador reconhece que o debate sobre o modo certo de correr é controverso. “Hoje, há uma tendência emergente entre os cientistas de esportes de entender que não existe uma mecânica igual para todos, de forma que não existe também uma forma de correr que sirva para todo mundo. Então, por exemplo, se a pessoa tem pisada pronada, neutra ou supinada, isso precisa ser considerado”, indica. Dias defende que a tendência é que nosso corpo, naturalmente, se adapte para essa atividade. “A corrida é uma coisa muito intuitiva. As crianças correm e, historicamente, nossa espécie sempre correu. Portanto, apenas siga sua intuição”, orienta, complementando que, para quem quer progredir em sua performance, é aconselhável intercalar adas rápidas com adas moderadas.