Cada vez mais pop, a caminhada e a corrida ao ar livre se consolidaram, nos últimos anos, como esportes favoritos dos atletas de fim de semana. Uma tendência que já se podia perceber muito antes de as provas de corrida ficarem lotadas. Foi o que apontou, por exemplo, o suplemento Práticas de Esporte e Atividade Física, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015, fruto de uma parceria do Ministério do Esporte com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a publicação, já na época, a caminhada era a principal atividade física praticada por mulheres (63,6%). Já para os homens, as principais eram o futebol (94,4%) e a corrida (79,2%).
E o interesse pela prática cresceu nos últimos anos. É o que observa, por exemplo, o professor universitário Pablo Moreno, 41, que é adepto da corrida desde 2011, participando de provas da modalidade desde 2012. Antes disso, porém, ele convivia com certa resistência à prática esportiva.
“Como muita gente, eu tinha minhas questões com exercícios físicos. Na escola, nas aulas de educação física, eu sofria bullying. Depois, quando tentei fazer academia, por volta de 2005, senti que aquele não era um ambiente acolhedor e, com isso, eu desisti”, relata. Seis anos depois, como medida antissedentarismo, ele começou a correr. “Era algo que eu podia fazer sozinho, por conta própria. Na época, usava um aplicativo de smartphone para monitorar minha evolução. Era o único auxílio com o qual contava”, detalha.
Desde então, não parou mais. “Fui correndo cada vez mais trechos maiores. Com seis meses, cheguei ao marco de 5 km. Tomei gosto e comecei a participar de provas. Já fiz a Volta da Pampulha, a Meia Maratona…”, cita.
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Embora não faça corrida em grupo, Moreno reconhece que ou a conviver com outros praticantes. “A gente cria uma rede de troca de experiências. Várias dessas pessoas, quando eu contava minha história, me alertavam sobre o risco de não fazer atividade de fortalecimento, além da aeróbica. E isso me levou para outros esportes”, menciona.
“Em 2020, comecei a fazer pole dance. E foi nesse instante que entendi que eu gostava, sim, de praticar atividades físicas e que, na verdade, eu só não havia sido bem preparado, pela escola, para uma cultura fisicamente ativa, porque aquelas aulas mais me afastaram desse universo que me aproximaram dele, além de não terem me ajudado a entender o que eu gosto de fazer e como gosto”, assinala o educador. Agora, de olho no envelhecimento saudável, Moreno conta que, neste ano, começou a fazer também aulas de musculação.
História
A popularização da corrida ao ar livre pode até parecer um fenômeno muito recente, mas, na verdade, esse processo vem se desenhando há bastante tempo. É o que garante o professor e pesquisador Cléber Dias, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais (EEFFTO/UFMG).
“Estamos falando de algo que data das décadas subsequentes ao fim da Segunda Guerra, quando amos por uma mudança na natureza da causa de morte. Se, antes, a maioria era causada por doenças infecciosas, a partir de então, as por doenças crônicas, principalmente cardiovasculares, aram a ser as principais causas de óbitos”, detalha o pesquisador, assinalando que, no final dos anos 1950, cientistas identificaram que o sedentarismo estava associado a esse problema.
Já em 1968, o cardiologista norte-americano Kenneth H. Cooper lançou o best-seller “Aerobics”, que defendia a importância das atividades aeróbicas para o condicionamento físico. “Foi um sucesso. O livro foi traduzido para muitos idiomas, chegou a muitos países e pautou o debate, reforçando essa relação entre atividade física, saúde e bem-estar. Tanto que o sobrenome do autor, Cooper, virou sinônimo de corrida. Ainda hoje, temos lugares que usam essa expressão, falando, por exemplo, em ‘pista de cooper’”, assinala Dias.
Naquele tempo, diferentes nações, incluindo o Brasil, viveram uma primeira explosão da popularização das corridas de rua. “As principais revistas deram capas e mais capas falando sobre a ‘cooper mania’, e até condomínios aram a investir em espaços para a prática”, sinaliza, refletindo que essa moda representou, para a sociedade, outra virada de chave.
“Antes, fazer um esporte era coisa de jovem. Tanto que, no início da geriatria e gerontologia, o paradigma, a indicação médica era que as pessoas se esforçassem menos, porque havia uma compreensão do corpo humano como uma máquina, que, se fosse sendo usado demais, iria se desgastar”, comenta. “A partir de então, ser fisicamente ativo a a ser a indicação médica, e o esporte deixa de ser visto como coisa de gente jovem”, sublinha, pontuando que, apesar dessa mudança cultural, tabus da sociedade de então ainda repercutiram no entrave dessa popularização.
“No Brasil, por exemplo, as mulheres foram proibidas de jogar futebol entre 1941 e 1979, porque o esporte era considerado incompatível com a natureza delas”, explica. E o machismo no meio esportivo, obviamente, não era uma particularidade brasileira. Tanto que, em 1972, Kenneth H. Cooper precisou lançar um segundo livro, “Aerobic for Women”, reforçando a ideia de que as mulheres também se beneficiam da prática de atividades físicas.
No bojo desse conjunto de acontecimentos, expõe Dias, uma série de iniciativas foi sendo criada, reafirmando a importância e popularidade das corridas. “Claro que já existiam maratonas, como a centenária São Silvestre. Mas, por outro lado, é na esteira desse movimento que vão surgir coisas como a Maratona do Rio, que começa nos anos 1970”, pontua. O professor prossegue citando que, desse primeiro boom para cá, o perfil dos praticantes foi progressivamente se alterando. “Anteriormente, corrida era um esporte para pobre. Hoje, no entanto, vemos muitos eventos, provas e circuitos que atraem pessoas da classe média, cuja inscrição já funciona como uma barreira, com valor impeditivo para algumas pessoas”, situa, lembrando ainda casos de turismo movido pela corrida, como a Maratona de Berlim, na Alemanha.