A conexão entre os eventos de 6 de janeiro de 2021, com o ataque ao Capitólio dos Estados Unidos, e a subsequente invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, revelou um contexto político enraizado na polarização e radicalização política. A O TEMPO Brasília, especialistas destacam a influência direta do ocorrido em Washington DC na esfera brasileira.

Ambos os episódios surgiram de manifestações convocadas em resposta a resultados eleitorais. Nos EUA, há três anos, seguidores do então presidente Donald Trump se reuniram para protestar contra os desdobramentos das eleições presidenciais de 2020. No Brasil, a invasão ocorreu logo após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que venceu a disputa eleitoral contra Jair Bolsonaro (PL).

No ataque ao Capitólio, o presidente eleito, Joe Biden, ainda não havia sido empossado, enquanto no Brasil, Lula estava no oitavo dia de seu mandato - esse episódio completará um ano no próximo domingo. Em ambos os casos, os apoiadores de Trump e Bolsonaro adotaram uma retórica de contestação ao sistema eleitoral, alegando fraudes nas eleições que levaram à derrota de seus candidatos. 

Assim como Trump, Bolsonaro por meses defendeu a narrativa de que as eleições não foram conduzidas de forma justa, questionando a  integridade das urnas eletrônicas. Os atos perpetrados em Washington e Brasília compartilharam a tomada de prédios institucionais.

Na capital federal, foram alvos o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto, resultando em extensos danos materiais e simbólicos. Em ambos os casos, os manifestantes conseguiram superar a resistência policial. No Brasil, houve registro de feridos, enquanto em Washington, cinco pessoas perderam a vida.

Enquanto os invasores na capital federal estavam com as cores  verde e amarela, durante a invasão do Congresso dos EUA, os participantes dos ataques traziam as cores da bandeira norte-americana. Um personagem da data foi Jake Angeli, também conhecido como Jacob Anthony Angeli Chansley, vestido como um viking, que estampou as capas de jornais nacionais e estrangeiros. 

Apesar das semelhanças, os eventos apresentam diferenças no discurso das manifestações e no papel das forças policiais. No Capitólio, os invasores defendiam tomar o poder por conta própria, enquanto em Brasília os radicais pediam uma intervenção militar com o lema “eu autorizo”.

Além disso, o comportamento da polícia durante as invasões gerou questionamentos. A Polícia Federal (PF) apontou que imagens revelaram uma aparente ividade dos policiais militares da capital federal, chegando ao ponto de filmarem aos risos as depredações dos prédios. Nesse cenário, Anderson Torres, então secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, foi exonerado pelo governador. 

Posteriormente, a Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou ao STF sua prisão, que ocorreu em 14 de janeiro de 2023. Em maio do mesmo ano, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, determinou sua soltura, impondo a condição do uso da tornozeleira eletrônica e de outras medidas restritivas.

Invasão ao Capitólio ocorreu durante andamento de sessão legislativa

Enquanto a invasão em Brasília ocorreu em um domingo, com todas as instituições fechadas, o edifício do Capitólio, sede do Legislativo norte-americano, foi tomado em 6 de janeiro de 2021 durante uma sessão legislativa em andamento. 

Estimativas baseadas na análise de vídeos e cálculos de densidade da multidão, reportadas pelo The New York Times e The Washington Post, sugerem que entre 2.500 e 3.000 invasores estiveram dentro do prédio do prédio nos EUA durante os eventos. 

Tudo começou com o ex-presidente instigando seus apoiadores a se reunirem em Washington DC para protestar contra o resultado da eleição presidencial. A data coincidia com a sessão conjunta do Congresso para ratificar a vitória de Joe Biden.

Donald Trump buscava angariar apoio e pressionar o vice-presidente Mike Pence e o Congresso a rejeitarem a vitória do então presidente eleito Joe Biden. A ação, no entanto, não encontrava fundamento constitucional.

Inicialmente, os manifestantes se reuniram para o comício "Save America" no parque The Ellipse, onde figuras públicas incitaram os presentes a resolverem a disputa eleitoral de forma agressiva. O então presidente foi um dos últimos a discursar, enfatizando que jamais reconheceria a derrota na eleição.  

Ele declarou: "Vamos para o Capitólio e vamos tentar dar [aos republicanos] o tipo de orgulho e ousadia que eles precisam para recuperar nosso país". Logo após o término dos discursos, os manifestantes marcharam em massa em direção ao Congresso norte-americano. 

Durante o ataque, os agressores conseguiram superar a segurança do local, adentrando no edifício, causando danos a objetos, muitos deles com significado histórico, e ameaçando os congressistas. Entretanto, um dia depois, o Congresso se reuniu novamente e certificou a vitória de Biden.

Especialistas avaliam conexão entre os dois eventos

Juca Niemeyer, coordenador do Departamento de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) no Rio de Janeiro, analisou que, sem os ataques ao Capitólio, os eventos na capital federal poderiam não ter ocorrido.

“Pode ser que os ataques em Brasília não tivessem ocorrido sem o precedente do ataque ao Capitólio, pois também no Brasil está se formando uma ideia antisistema, antigoverno, antiestruturas estatais, e contra o predomínio do Estado sobre o indivíduo. Muitas vezes, essa ideia se baseia em fantasias, teorias da conspiração e falsas informações, como a associação ao comunismo”.

Segundo o cientista político Sérgio Praça, existem duas diferenças em relação aos ataques à sede dos Três Poderes, na capital federal, em comparação ao ocorrido no Capitólio: "A primeira é que no Brasil, uma parte das Forças Armadas apoiava a ideia de um levante autoritário, embora isso estivesse longe de ser respaldado pela maioria da instituição ou pela maioria dos generais. Havia um sentimento nesse sentido por parte de uma fração reduzida das Forças Armadas. Isso não ocorreu nos Estados Unidos”. 

O especialista analisa ainda que outra disparidade entre os eventos nos dois países é que nos EUA existe um partido político, o Partido Republicano, que segundo ele é “antidemocrático”. “No Brasil, não temos nenhuma sigla que desrespeite o processo eleitoral. Tínhamos uma figura política, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que teve responsabilidade nos atos, mas ele não é apoiado por um partido político que não aceite resultados eleitorais".

Pessoas continuam sendo condenadas e até mesmo Trump responde pelo caso

Desde o evento de 6 de janeiro, o impacto do ataque ao Capitólio dos Estados Unidos ainda ecoa. Até o momento, 1.201 pessoas enfrentam acusações relacionadas ao caso, sendo que 719 itiram sua culpa. Dentro desse grupo, 119 foram condenados por todas as acusações, três foram absolvidos e 64 dos 728 condenados cumpriram penas de prisão. Além disso, oito casos foram arquivados.

Em resposta aos acontecimentos, diversas propostas legislativas foram apresentadas visando reformar os procedimentos eleitorais, fortalecer a segurança durante a contagem de votos e combater a disseminação de desinformação. No entanto, nenhuma delas obteve o apoio necessário para ser convertida em lei. Além disso, medidas de segurança foram intensificadas em torno do Capitólio e de outros edifícios governamentais por todo o país.

Como consequência, Donald Trump está prestes a enfrentar um julgamento por “conspiração para defraudar os Estados Unidos e incitar uma insurreição”. O processo está agendado para iniciar em 4 de março de 2024, em um tribunal federal em Washington, D.C.

As acusações têm como base a campanha para contestar os resultados das eleições presidenciais de 2020. A promotoria alega que Trump conspirou com seus aliados para pressionar funcionários do governo a reverterem os resultados eleitorais, além de incitar seus apoiadores a invadir o Capitólio.

Trump nega veementemente todas as acusações, alegando ser alvo de perseguição política por parte dos democratas. Em caso de condenação, Trump poderá enfrentar uma pena de prisão de até 20 anos.