O deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), que intermediou a conversa, por vídeo, entre o presidente Jair Bolsonaro e os irmãos do petista assassinado por um bolsonarista em Foz do Iguaçu (PR), disse recentemente que militantes petistas deveriam ser recebidos “à bala”.

"No Rio de Janeiro, a gente tem método de tratar bandido. Lá é na bala. Se visitar minha casa vai ser na bala, está me ouvindo? Na bala, seus vagabundos", disparou Otoni, ao microfone do plenário da Câmara, em 6 de abril.

Aliado de Bolsonaro, o deputado fez a declaração pública após uma fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na qual ele disse que militantes deveriam ir até os endereços de parlamentares e 'incomodar' os familiares. 

O deputado afirmou ainda que o “‘Luladrão’ tem agora um método para que essa Casa se curve a seus interesses. O novo método é pegar seus quadrilheiros e dar o endereço da casa dos deputados para que os sindicalistas possam ir na nossa casa".

Bolsonaro convidou familiares da vítima para uma entrevista coletiva

Por meio de Otoni de Paula, que ficou segurando o telefone celular durante a conversa, Bolsonaro convidou os familiares de Marcelo Arruda, o dirigente petista assassinado na noite de sábado (9), a participarem de entrevista coletiva em Brasília para “esclarecer” o crime. 

A ligação por vídeo foi feita por Otoni de Paula, que esteve na casa de um dos irmãos de Marcelo, com o aval de Bolsonaro. Segundo o deputado, o presidente falou com dois irmãos do petista assassinado: José e Luiz de Arruda.

Numa conversa por telefone com esses familiares, Bolsonaro se preocupou mais em se defender do que em se solidarizar com os parentes do petista assassinado. Ele disse que a esquerda tenta "politizar" a morte para desgastar o governo e convidou parentes para irem a Brasília.

"A possível vinda de vocês a Brasília, se concordarem, qual é a ideia? É ter uma coletiva de imprensa para falar o que aconteceu. Até para [evitar] ataques ao seu irmão. Não é a direita, a esquerda. Esse cara [que o assassinou], pelo que tudo leva a crer, é um desequilibrado", disse Bolsonaro.

"Eu faria isso para vocês terem a imprensa na frente de vocês para mostrar o que aconteceu. Se bem que a imprensa dificilmente vai voltar atrás, porque grande parte da imprensa tem o seu objetivo também, que é desgastar o meu governo", completou.

Apoiadores de Bolsonaro, os parentes do petista não deixaram claro se aceitariam o convite ou não. Disseram que não querem que o caso seja explorado de forma política. O presidente não falou com a mulher de Arruda, Pâmela Suellen Silva, nem com os filhos do casal. Também nunca prestou solidariedade à eles.

Em entrevista à TV Globo logo após a conversa entre Bolsonaro e os irmãos da vítima, Otoni de Paula afimrou que o presidenete decidiu prestar "solidariedade" à parte da família de Marcelo Arruda depois de saber que ele tinha parentes bolsonaristas. O deputado não falou porque o chefe do Executivo não falou também com a viúva.

Viúva repudia iniciativa de Bolsonaro e lembra que irmãos da vítima sequer estavam na festa dela 

A iniciativa de Bolsonaro irritou os familiares mais próximos de Marcelo, incluindo Pâmela Silva. Ela afirmou ao portal UOL ter ficado surpresa com o telefonema do presidente aos irmãos de Marcelo ("absurdo, eu não sabia", disse) e ressaltou que eles nem estavam na festa de aniversário de 50 anos dele, onde foi assassinado.

O filho de Marcelo, Leonardo de Arruda, 26 anos, disse ao jornal Folha de S.Paulo que a família está incomodada com a tentativa de responsabilizar Marcelo pelo caso – embora ele não tenha se referido diretamente a Bolsonaro, o próprio presidente da República chegou a se referir ao crime como "briga de duas pessoas" e a afirmar mais cedo que "o cara que morreu" teria jogado pedra antes no bolsonarista.

"Meu tio cobrou esclarecimentos do presidente, pediu retratação pública, pedindo para a imprensa que está colocando meu pai como causador de tudo, para dizer que ele foi a vítima de um assassino extremista", afirmou Leonardo.

Tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu e guarda municipal, Marcelo Arruda foi assassinado pelo militante bolsonarista e policial penal Jorge José da Rocha Guaranho, 38 anos, que invadiu a festa da vítima, que comemorava seus 50 anos com uma celebração decorada com motivos petistas.

Segundo testemunhas, Jorge invadiu o local gritando palavras de ordem a favor de Bolsonaro e contra o PT e Lula. A principal linha de investigação da polícia aponta para crime por motivação política já que, segundo as informações atualizadas, Jorge e Marcelo não se conheciam. O PT fala em crime de ódio.

Presidente reclama de ser relacionado com violência, mas defende armas

O tema vem incomodando profundamente Bolsonaro, que vem dando seguidas declarações – em entrevistas, e discursos em solenidades e nas redes sociais –, muitas delas dúbias, pois, ao mesmo tempo que diz lamentar o crime, ataca petista e até culpa a vítima, alegando que ela teria provocado o assassino.

Candidato à reeleição, o presidente teme um desgaste à sua imagem. Tanto que tem insistido no discurso de não violência, ao mesmo tempo em que defende o armamento da população civil.

Em suas declarações após o crime, bolsonaro chegou a reclamar de a imprensa se referir ao assassino do petista como bolsonarista, apesar de o próprio se definir assim e manter diversas publicações nas redes sociais com apoio ao presidente, inclusive com fotos ao lado de integrantes do governo e até do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), um dos filhos de Jair.

Em um post de junho de 2021, ele aparece sorrindo em uma foto ao lado de Eduardo Bolsonaro. "Vamos fortalecer a direita", escreveu em 30 de abril numa corrente da #DireitaForte para impulsionar perfis de conservadores com poucos seguidores.

A última publicação do atirador antes do crime é um retuíte de um post do ex-presidente da Fundação Cultural Palmares Sérgio Camargo, dizendo: "Não podemos permitir que bandidos travestidos de políticos retornem ao poder no Brasil. A responsabilidade é de cada um de nós".

Em suas redes sociais, Jorge, que está internado após também ser baleado por Arruda, se define como conservador e cristão. Ele usa as contas na internet principalmente para defender Bolsonaro, se apresentar contrário ao aborto e as drogas e propagar armas de fogo como sinônimo de defesa.

Após crime, Bolsonaro atacou a esquerda, a imprensa e até a vítima 

A primeira manifestação de Bolsonaro sobre o crime ocorreu no domingo, cerca de 24 horas após o assassinato. Nela, o presidente foi dúbio.

Em suas redes sociais, primeiro disse dispensar o "apoio de quem pratica violência contra opositores", mas, no mesmo pronunciamento, atacou a esquerda.

"Dispensamos qualquer tipo de apoio de quem pratica violência contra opositores. A esse tipo de gente, peço que por coerência mude de lado e apoie a esquerda, que acumula um histórico inegável de episódios violentos", escreveu o chefe do Executivo.

A manifestação do presidente foi publicada em seu perfil nas redes sociais depois que praticamente todos os espectros políticos já haviam se manifestado em repúdio, sem condicionantes, ao episódio.

Bolsonaro já chegou a usar termos como "fuzilar a petralhada"

Bolsonaro é desde antes de chegar à Presidência um dos principais políticos que insuflam o antipetismo e já chegou a usar termos como "fuzilar a petralhada" – fato que foi lembrado por eleitores em meio à repercussão do caso em Foz do Iguaçu.

O chefe do Executivo disse ainda que sua manifestação replica uma mensagem emitida em 2018 e que o fazia "independente das apurações".

"Que as autoridades apurem seriamente o ocorrido e tomem todas as providências cabíveis, assim como contra caluniadores que agem como urubus para tentar nos prejudicar 24 horas por dia", disse.

Na segunda-feira (11), Bolsonaro voltou a falar sobre o tema, agora em conversa com apoiadores. Nela, criticou a forma como está sendo divulgada a morte do militante petista.

"Vocês viram o que aconteceu ontem, né? Uma briga de duas pessoas lá em Foz do Iguaçu. 'Bolsonarista não sei o que lá'. Agora, ninguém fala que o Adélio é filiado ao PSOL, né? A única mídia que eu tenho é essa que está nas mãos de vocês aí", disse Bolsonaro a apoiadores na saída do Palácio da Alvorada.

Adélio, autor da facada em Bolsonaro na campanha de 2018, foi filiado ao partido. Segundo as investigações, ele concebeu, planejou e executou sozinho o atentado. Foi considerado inimputável por ter doença mental e cumpre medida de segurança em um presídio federal.

Ele citou a Folha de S.Paulo ao criticar a forma como a imprensa tem veiculado a notícia.

"Chegaram vídeos para a gente antes do crime em si. O cara faz um boletim de ocorrência, diz ele que chega lá gritando 'sou Bolsonaro'. Agora eu vi em letras garrafais na Folha de S.Paulo: 'Bolsonarista mata'. Quando o Adélio me esfaqueou ninguém falou que ele era filiado ao PSOL. Agora o que eu tenho a ver com esse episódio em Foz do Iguaçu? Nada", disse.

Ao ser questionado por um jornalista em relação à frase que teria dito sobre "fuzilar petistas", o chefe do Executivo se defendeu e disse que seria no sentido figurado.

Já a ofensiva por sua imagem em ano de eleição teve seu ponto alto nesta terça-feira, quando usou um deputado federal aliado para se aproximar de uma ala da família de Marcelo mais simpática a ele. (Com Folhapress)

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