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Rafaela Lôbo

É mestre em análise do discurso pela UFMG, empresária, CEO da Scriptus Comunicação e idealizadora do Projeto Comunique-se Bem. Escreve quinzenalmente sobre comunicação em suas várias dimensões

RAFAELA LÔBO

Sob a máscara

O Carnaval e a expressão do “eu”

Por Rafaela Lôbo
Publicado em 05 de março de 2025 | 07:00

Usar uma máscara para poder retirar outras. Muito do que vemos no Carnaval é sobre isso: brincar de ser quem se é, vestir-se de modo a despir-se.

Tenho um amigo que cria cenários e figurinos; no Carnaval, é frequente vê-lo criar fantasias magníficas sob encomenda. Semana ada estive em sua casa para encomendar um cenário, e ele me mostrou uma das fantasias mais lindas que já havia visto, com uma máscara que tampava todo o rosto.

Perguntei sobre o perfil de quem havia encomendado tal obra de arte, e ele respondeu que era um homem que desejava se fantasiar de drag, mas que não queria ser reconhecido. Perguntei o porquê, e ele explicou que, socialmente, era um heteronormativo, mas que, por trás dessa máscara, ele se relacionava com outros homens e, no Carnaval, queria sair sem ser reconhecido. Entendi: a máscara despia-o completamente. De máscara, ele poderia retirar todas as outras máscaras sociais.

Já li algo sobre os bailes de máscara de Veneza. Até onde sei, eles têm origem na história medieval e renascentista, e o uso das máscaras permitia que os cidadãos se misturassem sem as restrições de classes sociais, o que oferecia uma liberdade temporária do status social e das convenções. De fato, o ocultamento do rosto não só proporciona anonimato, mas também confere uma liberdade para expressar desejos e personalidades ocultas.

O Carnaval é mais que uma festa, é uma catarse emocional e, diga-se de agem, é bem útil para a sociedade, pois proporciona um espaço em que sentimentos reprimidos podem ser finalmente expressos e compreendidos.

Os trajes, máscaras e alegorias transmitem significados complexos, são mais do que mera decoração; são portadores de mensagens sobre identidade, resistência e crítica social. Uma fantasia atua como ícone e como símbolo. Por exemplo, uma fantasia de herói pode ser um ícone desse personagem, mas simboliza a luta pela justiça social. No caso do homem com a fantasia de drag, a fantasia é um ícone da cultura drag, já a máscara e a performance dele durante o Carnaval simbolizam um grito de liberdade contra as restrições sociais a que ele se submete.

Além disso, desfiles e blocos estabelecem uma espécie de linguagem por meio de enredos e escolhas visuais. Esses rituais carnavalescos são aspectos culturais que falam muito sobre nossa sociedade e sobre nós mesmos. É por isso que alguns vão ao bloquinho geek e outros vão ao que toca rock em ritmo de axé. Cada escolha que fazemos, de alguma forma, diz muito sobre quem somos e que máscaras queremos tirar.

Todos os anos, quando me pego pensando no Carnaval, me pergunto quantos anseios guardados moram dentro de nós e escondemos da sociedade. Olho para a festa e vejo, muitas vezes, mais uma forma de controle social; por cinco dias você terá liberdade para que nos outros 360 você use um número muito maior de máscaras. Prisão? Controle? Liberdade? Não sei realmente dizer, só sei que me questiono sempre quais serão as máscaras que eu gostaria de tirar.