Uma consulta começa com a observação. Ali já temos a primeira impressão do paciente. Com um olhar, percebemos se ele está hidratado, normocorado, desnutrido, com sobrepeso.
Percebemos o aspecto da sobrancelha, da inserção dos cabelos, da força das unhas, se a pele tem rugas. Qual a coloração da pele, mais amarela, pálida, com manchas... Se tem pouco ou muito pelos. Se a pessoa tem um tônus mais forte ou é mais flácido.
Tudo informa e tudo compõe uma percepção da qualidade de saúde.
Isso ocorre se a pessoa se deixar revelar. Senão, não é possível ter essa avaliação e sobra apenas conhecer o que exames laboratoriais ou exames de imagem podem demonstrar. Muitas vezes é uma contradição do que se está vendo.
Há pessoas que não deixam a aparência demonstrar a idade. E nos surpreendem muito quando vemos a data de nascimento. Essa incoerência entre aparência, idade e exames é algo cada vez mais frequente no consultório.
Quem está dentro da vestimenta construída para ser o modelo que a pessoa quer aparentar para os outros? Quem ela é e como ela quer ser vista e se ver no espelho?
Como lidar com esse paradoxo?
O que é uma pessoa bem-cuidada e o que é uma pessoa aceitando qualquer sacrifício para ter uma aparência muito mais jovem ou muito diferente da sua real imagem?
Nessa proposta de atingir uma imagem idealizada, não se mensuram com critério nem gastos financeiros, nem desconstrução da funcionalidade normal do corpo. Limites de segurança em saúde são negligenciados com total conivência e autorização dos pacientes.
A busca por aceitação social, quase invariavelmente, torna as pessoas invisíveis. E essa invisibilidade esconde adoecimentos que vão estar presentes no dia a dia e incomodam muito, mesmo ocultos. Rostos sem rugas contrastam com ossos osteoporóticos.
Vivo esse paradoxo no consultório. De olhar para uma pessoa, mas só identificar a idade em receitas gigantes que têm remédios para o colesterol, hipertensão, glicemia alta, artrose.
Muito se diz de todos os subterfúgios para se ter uma imagem que a sociedade promove em nome de uma boa autoestima. No entanto, essa autoestima não parece se aplicar em ter um corpo saudável e funcional para se viver bem, mesmo que não se torne objeto de apreciação dos outros.
Entendo que, para estarmos no mundo, às vezes pode parecer necessário entrar em conformidade com expectativas alheias e que o envelhecimento ainda é socialmente malvisto, principalmente o feminino.
Mas, como médica e como mulher, entendo que é hora de repensarmos nossas prioridades. Cuidar da saúde, ser feliz e viver muito, com plenitude, me parece muito melhor do que agradarmos ao mundo ao nosso redor.