Lucinéia viu o marido Aécio pela última vez em 6 de janeiro de 2023. Depois de arem dias de sossego em Ubatuba, no litoral paulista, o casal com dois filhos – Gustavo, então com 17 anos, e Gabriel, com 8 – voltou a Diadema, na Grande São Paulo, onde ele pegaria um ônibus na capital com destino a Brasília. 

Mais propriamente, ao QG do Exército, no Setor Militar Urbano (SMU), onde apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro (PL) estavam há mais de 60 dias acampados pedindo a intervenção militar, a recontagem do resultado das eleições presidenciais pelo voto impresso e a anulação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como novo presidente da República.

“É isso mesmo que você quer? Em Brasília a coisa é diferente”, alertaram ela e a sogra ao marido que já fazia visitas à porta de um quartel paulista, mas nunca havia ado muitos dias fora de casa. Ele disse que sim, pagou cerca de R$ 300 em uma agem de ida e volta em um ônibus fretado – pelo qual nunca retornou. Ele foi preso, dois dias depois, dentro do Senado Federal.

Aécio Lúcio Pereira Costa, com 52 anos completados em 25 de novembro do ano ado, ou o primeiro aniversário longe da família e dos amigos. Foi demitido por justa causa da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) depois de 28 anos de trabalho, sem direito a benefícios de demissionário. 

Ele está desde 8 de janeiro no Centro de Detenção Provisória II do Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. O presídio fica na região istrativa de São Sebastião, a cerca de 28 km do edifício onde ele foi detido pela Polícia Legislativa por participar dos atos de invasão e depredação das sedes dos Três Poderes. 

“Ele, por mim, teria ficado em casa, mas a vida é dele, então também cabia a ele decidir”, conta Lucinéia, que ainda não visitou o marido. Aécio foi o primeiro réu julgado e condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 17 anos de prisão - sendo 16 anos e seis meses de reclusão, e 1 ano e seis meses de detenção, tempo que poderá cumprir em liberdade. Relembre sobre o julgamento abaixo.

Demissão, multas e relação com a família 571p4a

Aécio terá ainda que pagar 100 dias multa (correspondente a 1/30 do salário mínimo por dia) além de, no final do julgamento, ratear com outros condenados a indenização coletiva no valor de R$ 30 milhões por danos ao patrimônio público. Sem trabalho e como única fonte de renda da família até então, é provável que e a vida pagando e devendo.

Lucinéia não trabalhava e vem dependendo da ajuda de amigos, parentes e desconhecidos para custear as despesas da casa, dela e dos dois filhos diante da prisão do, até então, único responsável pelo sustento da família. Estudante de istração, acabou conseguindo um estágio pelo qual recebia menos de R$ 1 mil por mês, mas que terminou em 31 de dezembro junto com a conclusão do curso. 

Há alguns meses, recebeu doações via Pix estimuladas por um youtuber de direita solidário a mulheres de presos pelo 8 de janeiro. “Presos políticos”, que é como ela os define. O filho adolescente largou o último ano do ensino médio para trabalhar com um tio enquanto o caçula, apegado ao pai com quem aprendera a tocar violino e era levado a aulas de piano, abandonou o estudo da música porque não tinha mais quem o levasse e pagasse a conta. 

Dos dois, Lucinéia conta que a dificuldade maior com a ausência do pai tem sido do mais novo. Quando recebe notícias do marido nas “conversas” por meio do advogado e as leva para casa, o garoto fica inquieto. Dorme mal e sonha muito durante a noite. “Ele acorda perguntando se a anistia já saiu”, lembra ela. 

O garoto, agora com 9 anos, só fica longe da mãe para ir à escola e não ite a ausência dela nem para dormir na casa das avós. Com a demissão de Aécio, a família perdeu o plano de saúde e a chance de marcar um psicólogo pela rede pública é remota. “A gente fica forte e se vira por eles”, diz.

Sem tomar vacina contra Covid-19, Lucinéia não falou com o marido desde que ele foi preso 116h4w

Lucinéia falou com o marido pela última vez no dia 8 de janeiro, por meio de mensagens e vídeos enviados por ele de dentro do Senado. O último recado foi: “fui detido”. Ela, que acompanhou tudo pela TV, ficou sem conseguir dormir nas três noites seguintes. 

Distante mais de mil quilômetros da Papuda, a dona de casa precisaria estar com pelo menos três doses da vacina contra a Covid-19 para ver o parceiro de 22 anos – uma condição, inclusive, para contatos via chamada de vídeo. Em 12 meses, isso ainda não aconteceu. 

“Não tomei e não vou tomar. Não quero ter meus anticorpos prejudicados”, declara, descrente da vacinação. Os filhos também não foram imunizados. “De lá pra cá não peguei nem gripe. A reza é forte”, brinca. 

O Natal e o Ano Novo sem o marido também foram celebrações diferentes. O primeiro ela ou na casa da sogra. “Até que estava indo tudo bem, mas foi dar meia-noite e veio aquele chororô geral”, lembra. 

Aécio dividia cela com preso do 8/1 que morreu na Papuda 2l5ob

Lucinéia conta que marido manda recado de que está bem, lendo, estudando e orando muito. A rotina de leituras de 25 livros, cursos e estudos a surpreende. “Aqui fora ele não lia quase nada. Mas ele é muito positivo e todas as pessoas que já saíram e tiveram contato com ele lá dentro destacam seu carisma e o tom conselheiro”, conta. 

Os momentos mais tensos foram vividos em novembro, quando um dos companheiros com quem dividia a cela, Clériston Pereira da Silva, o “Clezão”, morreu durante o banho de sol após 14 paradas cardíacas – as quais Aécio esteve presente nas tentativas de reanimação. 

De acordo com informações de pessoas que tiveram contato com ele, a fase mais triste neste primeiro ano de prisão foi contornada quando ele mudou de ala na prisão – onde sofria muito com o calor e o barulho feito por detentos acusados de outros crimes - e ou a dividir o espaço com mais outras três pessoas nas mesmas condições que ele. 

A rotina no presídio da Papuda 4g2n12

Ao acordar pela luz que entra pelas frestas dos quadrados da parede da cela, Aécio toma café e toma banho de sol. Ele aproveita o contato com a luz natural o máximo que pode e bebe bastante água, já que vem comendo menos. 

“A alimentação parece difícil, mas Aécio tem conseguido se virar bem, apesar dos quilos perdidos”, conta a esposa. Segundo ela, o marido faz um papel de terapeuta de outros presos ao acalmá-los. “Todo mundo que já saiu da prisão veio me dizer e elogiar o Aécio. De lá, ele me dá forças”, diz emocionada. 

Questionada se se arrepende de ter concordado com a viagem a Brasília, ela nega e ressalta que ele fez como quis. Lucinéia evita fazer críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a políticos como Lula. 

Disse que votou em Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno nas eleições de 2022, mas que não é fã de políticos. Ela, no entanto, defende voto impresso. E sua expectativa para 2024 é conseguir, em algum momento, falar com o marido. “E contar pra ele o tamanho das dívidas”.

Relembre o julgamento de Aécio  5o3d2m

Dos 11 ministros do Supremo, seis deles - Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber - acompanharam integralmente o relator Alexandre de Moraes, e votaram pela condenação do primeiro réu. Ele é acusado de quebrar vidraças, portas de vidro, obras de arte, equipamentos de segurança e usou álcool para colocar fogo no tapete do Salão Verde da Câmara dos Deputados.

Momentos antes de ser preso pela Polícia Legislativa no Senado, Aécio também havia publicado um vídeo nas redes sociais comemorando a invasão da Casa, sentado na Mesa Diretora, convocando a população para um golpe de Estado. “Amigos da Sabesp: quem não acreditou, tamo aqui. Quem não acreditou, tô aqui por vocês também, porra! Olha onde eu estou: na mesa do presidente (do Senado)”. Ele usava uma camiseta que dizia “intervenção militar federal”. 

Os cinco crimes apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) foram: abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima; deterioração de patrimônio tombado; e associação criminosa armada.

A defesa de Aécio Pereira chamou a atenção dos ministros durante o julgamento, ainda setembro de 2023. Sebastião Coelho, que é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) e do Tribunal Regional Eleitoral do DF (TRE-DF), usou o tempo de cliente para falar de si mesmo, atacou a exigência de vacina contra Covid-19 em presídios, ofendeu integrantes da Corte e pediu a suspeição de Moraes.

Ao falar sobre o réu, o advogado comparou a situação de Aécio à de Jesus Cristo. Sebastião Coelho disse também não haver provas de que seu cliente tenha depredado qualquer bem público, que não houve individualização da sua conduta e que ele não participava de um grupo criminoso organizado com o intuito de provocar um golpe de Estado.