O cientista da computação Aécio Lúcio Costa Pereira é o primeiro condenado pelos atos de 8 de janeiro de 2023. Ele foi sentenciado a 17 anos de prisão. A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em julgamento iniciado quarta (13) e concluído nesta quinta-feira (14), que ele cometeu os crimes de associação criminosa, golpe de Estado, abolição do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, conforme havia sido denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Os ministros definiram que, dos 17 anos de pena, 15 anos e 6 meses devem ser cumpridos em regime fechado e 1 ano e 6 meses em regime aberto. Com isso, quando deixar a cadeia, Aécio Pereira terá mais de 60, caso não consiga progressão por meio de benefícios previstos em lei.
Morador de Diadema (SP), Aécio Pereira tem 51 anos. Ele foi preso em flagrante em 8 de janeiro pela Polícia Legislativa no plenário do Senado. Momentos antes, havia publicado um vídeo nas redes sociais comemorando a invasão da Casa, sentado na Mesa Diretora, convocando a população para um golpe de Estado.
“Amigos da Sabesp: quem não acreditou, tamo aqui. Quem não acreditou, tô aqui por vocês também, porra! Olha onde eu estou: na mesa do presidente (do Senado)”, disse no vídeo, pouco antes da prisão. Ele ainda usava uma camiseta que dizia “intervenção militar federal”.
O vídeo foi usado como prova contra ele. Em seu voto pela condenação, o ministro Cristiano Zanin afirmou que a autoria do réu é evidente e que Aécio Pereira gravou vídeos “que não deixam qualquer dúvida de sua empreitada criminosa” e que a sua defesa “não se sustenta diante do conjunto probatório”.
Aécio, que era funcionário da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) – estava de férias quando viajou para Brasília –, também quebrou vidraças, espelhos, portas de vidro, obras de arte, equipamentos de segurança, móveis, lixeiras, computadores, totens informativos, pórticos, câmeras de circuito fechado de TV e até um veículo Jeep Com que estava no prédio.
Ele ainda usou álcool para colocar fogo no tapete do Salão Verde da Câmara dos Deputados – o prédio é anexado ao Senado, o que forma o Congresso Nacional. Está preso desde então no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Foi demitido da estatal justamente por causa do envolvimento na quebradeira.
Em depoimento logo após ser preso, Aécio disse que viajou do interior de São Paulo para a capital do país a convite de amigos que acampavam em frente ao quartel do Exército em São Paulo, próximo ao Parque Ibirapuera, do grupo “Patriotas”. Contou ter doado R$ 380 ao grupo, que fretou o ônibus que o levou a Brasília, e chegou por volta das 10h da manhã do dia 8.
Em Brasília, Aécio e os demais integrantes do “Patriotas” se juntaram aos bolsonaristas acampados em frente ao Quartel-General do Exército, de onde saiu a maioria dos vândalos que destruíram os prédios públicos em 8 de janeiro. Eles marcharam pelo Eixo Monumental até a Esplanada dos Ministérios, sob aparato da Polícia Militar, que facilitou o deslocamento do grupo.
Ainda no interrogatório, o agora condenado alegou que seu objetivo ao participar da invasão em Brasília era “lutar pela liberdade”, mas não sabia dizer se o procedimento para chegar a isso seria depor o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então recém-empossado. Negou que tenha danificado bens do Congresso, apesar de imagens das câmeras de segurança do Congresso mostrarem o contrário.
Ameaças a vizinhos que votaram em Lula
No inquérito contra ele pelos ataques de 8 de janeiro, consta que Aécio Pereira tem um histórico de violência, inclusive política. Investigadores narram ameaças feitas a vizinhos eleitores de Lula durante as eleições de 2022. Ao menos três vizinhos fizeram boletins de ocorrência contra ele. À época, o então funcionário da Sabesp morava em um prédio em Diadema.
Conforme os depoimentos nos boletins de ocorrência da Polícia Civil de São Paulo, Aécio ameaçava os vizinhos pessoalmente e por meio de mensagens enviadas por aplicativos de mensagem e redes sociais. Uma das vítimas relatou que recebeu mensagens de áudio e texto pelo WhatsApp nas quais Aécio dizia que se ela aparecesse no prédio “seria morta, porque todo comunista merece morrer”.
Réu escolheu como advogado ex-desembargador investigado pelo 8 de janeiro
No STF, Aécio Pereira foi defendido por Sebastião Coelho da Silva, que é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) e do Tribunal Regional Eleitoral do DF (TRE-DF).
No momento destinado à defesa do réu, Sebastião Coelho atacou a exigência de vacina contra Covid-19 em presídios e integrantes da Corte, pediu a suspeição de Alexandre de Moraes, fez discurso de tom político, minimizou os ataques às sedes dos Três Poderes da República e comparou a situação do cliente à de Jesus Cristo.
“A defesa entende que vossa excelência (Alexandre de Moraes) é suspeito para julgar esse caso e vossa excelência pode fazê-lo a qualquer momento, porque a suspeição é de foro íntimo”, afirmou Sebastião Coelho da Silva. “Faço apelo para que vossa excelência o faça”, acrescentou o hoje advogado, olhando da tribuna para o ministro do Supremo. “Afasto. Não vou perder mais tempo com isso”, respondeu Moraes.
Na sessão em que anunciou sua renúncia ao cargo no TRE-DF, em 19 de agosto do ano ado, Sebastião Coelho disse que não estava “feliz” com o STF e afirmou que Alexandre de Moraes “fez uma declaração de guerra ao País”. Sebastião ou a militar publicamente a favor de Jair Bolsonaro e de uma intervenção federal, frequentando o acampamento em frente ao QG do Exército, em Brasília.
Na última quarta-feira, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, mandou abrir uma reclamação disciplinar contra Sebastião Coelho por causa dos ataques ao sistema eleitoral brasileiro, Moraes e instituições democráticas.
Com a investigação, o CNJ quer saber se o desembargador aposentado também incitou a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro. O corregedor determinou a quebra do sigilo bancário de Sebastião Coelho, no período entre 1º de agosto de 2022 e 8 de janeiro de 2023, para identificar se ele financiou o movimento por golpe de Estado.
Ainda no início do julgamento de Aécio Pereira, Sebastião Coelho da Silva disse, ao microfone da tribuna da Corte, que os ministros do Supremo são “as pessoas mais odiadas desse país”.
“Eu quero dizer, com muita tristeza, que nessas bancadas aqui, nesses dois lados, estão as pessoas mais odiadas desse país. Infelizmente. Quantas fotos tenho com ministros desta Corte?. Vossas excelências têm que ter a consciências que vossas excelências são pessoas odiadas desse país. Essa é uma realidade que alguém tem que dizer e vossas excelências têm que saber disso”, afirmou.
O advogado ainda reclamou, em tom de revolta, da exigência de comprovante de vacinação contra Covid-19 para visitar detentos no Complexo Penitenciário da Papuda, onde seu cliente está preso.
“Eu quero trazer essa denúncia também aqui ao tribunal, esse cidadão está há oito meses preso sem nenhum contato com a família. Por que? Porque a sua família não foi vacinada, não tem cartão de vacina, tão famoso o cartão de vacina e moda aqui no país”, disse o advogado durante a sustentação oral.