Convidada a falar de alguma experiência que tenha tido a força de reafirmar sua escolha pela carreira docente, a professora Isabela Catrinck, 32, que atua na educação básica, reage, primeiro, com espanto: “Nossa… são várias!”. Em seguida, mais concentrada, ela recorda um episódio mais específico, um acontecimento recente.
“Ministrando aula em um cursinho popular, em um sábado de manhã, um aluno, depois de assistir ao primeiro horário, disse que iria para casa, que estava cansado. Eu chamei ele para uma conversa e lhe disse que, o mais difícil, ele já havia feito: acordar às 7h da manhã em pleno sábado. Então, terminar os outros três horários seria moleza. Ele ficou pensativo até que disse: ‘É mesmo, professora. O mais difícil, eu fiz, eu dou conta!’. Dali em diante, ele foi o mais participativo. Foi maravilhoso!”, celebra. “Isso dá um ânimo. Às vezes, o aluno só precisa de um apoio, de um conforto e de um incentivo”, reflete.
O testemunho da professora, em entrevista a O TEMPO, é simbólico de como, para ser efetiva, a atividade docente precisa, muitas vezes, ir além da mera transmissão de conteúdos, da simples aplicação conteudista prevista em determinada grade curricular. Uma reflexão especialmente bem-vinda nesta terça-feira (15), quando é celebrado no Brasil o Dia dos Professores.
Para estes profissionais, há muito mais em jogo. A começar pelo fato de eles lidarem rotineiramente com os efeitos da desigualdade e vulnerabilidade social em sala de aula – onde, quando há capacitação, conseguem identificar e prestar auxílio às vítimas de violência doméstica, abusos sexuais, insegurança alimentar, trabalho infantil, etc.
São também as professoras e professores – elas são a maioria no ensino fundamenta (77,5%) e médio (57,5%) no país, conforme o Censo Escolar 2022 – que, em tantos casos, identificam condições que, se não fossem observadas, poderiam afetar a aprendizagem – como a ocorrência de questões oftalmológicas ou neurológicas em seus alunos.
Falta atratividade
Contudo, apesar da importância estratégica desses profissionais, o cenário que se desenha é de pouco reconhecimento – seja ele cultural ou institucional – e minguada atratividade para permanência na carreira.
É o que aponta Isabela Catrinck, lembrando que, no começo, tornar-se professora não foi uma decisão planejada. “Acho que foi algo que estava na minha essência e eu só segui o fluxo. Eu sempre gostei de conversar, de ensinar crianças nas escolinhas da igreja. No vestibular, tive a opção de tentar Letras – e eu gostava muito de português. Fui aprovada e iniciei o curso. Daí em diante, fui me identificando cada vez mais e já comecei a estagiar desde a faculdade”, relembra Isabela.
“Sobre motivação para continuar… É complicado. No Brasil, não temos motivação para seguirmos na carreira. O salário não é nada atrativo, não há condições no ambiente de trabalho, o professor utiliza muitos recursos próprios, temos uma carga de trabalho exaustiva, não há valorização por titulação e nem plano de carreira”, critica Isabela.
Números
De fato, segundo pesquisa do Instituto Semesp divulgada no ano ado tendo como base dados de 2020, um docente do ensino médio recebe, em média, 20,4% menos do que trabalhadores de outras categorias que também têm diploma universitário.
Além da defasagem salarial, outros vários desafios estruturais se impõem à rotina desses profissionais. Conforme o Censo Escolar da Educação Básica, do Ministério da Educação (MEC), publicado em 2021, 3,2% das escolas públicas não possuíam banheiro, 20,5% não tinham o à internet banda larga, e 26,6% delas seguiam sem coleta de esgoto.
E mais: há ainda a sensação de um crescente descrédito e desrespeito ao trabalho dos professores. “Estamos vivendo tempos de ameaça a nossa liberdade de cátedra e um profundo desrespeito a nós”, sinaliza Isabela. Expressão mais assustadora desse fenômeno, em 2023, 80% desses profissionais sofreram agressões no ambiente escolar, um aumento de 20% em relação a 2022. Os dados são De acordo da ONG Nova Escola e o Instituto Ame Sua Mente e indicam que as violações mais relatadas são agressão verbal, intimidação e assédio moral.
Perigo de ‘apagão’ na docência
Esse conjunto de fatores ajuda a explicar a razão de a carreira na docência parecer cada vez menos atrativa para a juventude. Uma realidade que pode, no futuro, motivar um apagão no sistema de ensino do país.
Segundo o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), o envelhecimento da categoria, cujos profissionais têm idade média acima dos 50 anos, subiu 109% entre 2009 e 2021. Já o número de docentes com até 24 anos caiu 42,2% no mesmo período. Se o ritmo de renovação de quadros permanecer no atual patamar, a previsão é que, até 2040, haja um déficit de 235 mil professores em todas as etapas da educação básica.
“Na sociedade atual, a remuneração é um item primordial na escolha da profissão, assim como a qualidade de vida. A geração Z e, principalmente, a alpha busca por um trabalho mais flexível, que proporcione qualidade de vida e bom retorno financeiro. Infelizmente, o professor, hoje em dia, não tem isso”, avalia a professora, que também percebe uma perda de interesse dos mais jovens pela carreira na educação.
Motivos para continuar
Para a Isabela Catrinck, apesar do cenário conturbado, a motivação para permanecer professora tem algo de intangível. “O que me mobiliza? Os alunos. Fazer a diferença na vida de alguém, contribuir para que alguém seja um ser humano melhor e enxergue em si a capacidade de transformar a sociedade. Isso me motiva”, define a professora, que prossegue: “A recompensa está no dia a dia com o aluno. Embora tenhamos de lidar com alguns desafiadores, a maioria nutre um carinho que nos motiva. E há o esperançar. Como bem disse Paulo Freire, temos de esperançar; acreditar na transformação social, numa educação libertadora e emancipadora”.