“Cercar a escola do muro para dentro e deixar a população a mercê não adianta. A violência não está restrita na escola, ela também acontece no externo”. O relato é da professora Daniela Gonçalves Joaquim, que, desde 2003, atua na rede estadual de educação do Estado.. A profissional questiona o protocolo de segurança apresentado pelo governador Romeu Zema (Novo) nessa quarta-feira (12). O Núcleo Interinstitucional de Proteção Escolar, criado com o objetivo de inibir casos de violência nas unidades de ensino, prevê um maior controle do o às escolas e a criação de um canal de comunicação com a polícia que promete rapidez à notificação de ataques e crimes em escolas de Minas.

"O que nós precisamos, na realidade, é de um programa que possa integrar a escola e a comunidade. Não é só neste espaço de estudo que o aluno tem problemas. Então, o que a gente pede é algo que inclua toda a população, as famílias desses estudantes, as comunidades do entorno das escolas. Um problema nesse ambiente externo vai ter consequências na escola, e vice-versa", justifica a professora. Daniela acredita que a medida que restringe o o às unidades de ensino pode ser eficiente momentaneamente, mas que se adotada de forma definitiva poderá provocar o distanciamento da comunidade escolar da sociedade.

A profissional alerta que isso tende a comprometer o desenvolvimento dos estudantes e, até mesmo, aumentar a violência nestes espaços. "A escola de uma determinada comunidade, no interior, por exemplo, é aberta  para as pessoas. Isso contribui não só para a formação dos alunos, mas para a vida daquela comunidade, que tem uma relação histórica e afetiva com aquele ambiente. Como você vai privar isso?", questiona. 

A medida anunciada com o objetivo de garantir maior segurança nas escolas da rede estadual indica que as pessoas só terão o aos prédios das instituições de ensino mediante a identificação e a devida autorização. O governo de Minas, no entanto, não detalhou como esse controle será feito na prática e quem será o responsável pela autorização. Ainda de acordo com o anúncio feito pelo governador Romeu Zema, a medida deverá entrar em vigor já na próxima semana.

Microviolências esquecidas em protocolo 

Além do distanciamento entre comunidade escolar e sociedade, estudiosos alertam para a insuficiência que há em relação aos programas de capacitação no enfrentamento às microviolências que ocorrem nas instituições de ensino — como bullying, casos de descriminação, desentendimentos, etc. “Não ter uma resposta imediata para esses episódios de microviolências é um problema. As escolas não podem ignorar essas situações que fazem parte do cotidiano. Se ela ignorar isso hoje, amanhã pode se tornar um problema muito maior”, alerta Valéria Cristina de Oliveira, que é professora na faculdade de educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp).

Para a estudiosa, mais do que adotar tais medidas ou instalar equipamentos de segurança, as autoridades públicas precisam investir em campanhas educacionais a fim de conter a onda de violência que, segundo ela, tomou conta da sociedade. “A violência tem sido a resposta para qualquer forma de conflito, o que preocupa. É uma sociedade que sustenta um discurso de ódio e que acredita que o o a arma de fogo pode ser a solução. Embora pareça distante, isso afeta o ambiente escolar”, orienta. 

Conforme anunciado pelo governador Romeu Zema, o novo protocolo de segurança para as escolas da rede estadual, elaborado pelo Núcleo de Proteção Escolar, prevê um maior controle do o às escolas e a criação de um canal de comunicação com a polícia que promete rapidez à notificação de ataques e crimes em escolas de Minas. Essas ações devem ocorrer de forma integrada aos Núcleos de Acolhimento Educacional (NAEs), que disponibilizam psicólogos e assistentes sociais para o atendimento à comunidade escolar. A estratégia soma as atividades desenvolvidas pela Polícia Militar, como a Patrulha Escolar, o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) e o Programa de Educação Ambiental (Progea), que serão intensificados.

Para a psicóloga Aline Ottoni Moura, que é coordenadora do curso de uma universidade da rede particular de Belo Horizonte, essas medidas são necessárias considerando os recentes episódios de violência ocorridos em escolas de Minas e do país. No entanto, garante que o sentimento de insegurança não pode fazer com que as escolas se transformem em “presídios de segurança máxima” e distancie professores e alunos da sociedade. “A gente precisa expandir esse diálogo para que as pessoas possam se beneficiar dessa escola”, orienta.

Aline acredita que o distanciamento da escola da sociedade, além de prejudicar a formação dos estudantes, pode impactar a sociedade que reside no entorno da instituição. “A escola precisa estar sempre aberta para a comunidade, isso porque ela tem uma função social. Além de ser um lugar de construção do conhecimento, é um espaço de humanização, de congregar pessoas e fortalecer relações sociais e culturais com aquela região”, justifica a psicóloga, que teme pelo comprometimento do desenvolvimento humano, não somente dos alunos, diante do novo protocolo.

Estrutura atual

Como forma de enfrentar os episódios de microviolência nas unidades de ensino e colaborar com o desenvolvimento social, a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) aposta nos Núcleos de Acolhimento Educacional (NAEs). Os trabalhos são realizados por um grupo composto por psicólogos e assistentes sociais. "O objetivo é auxiliar a gestão e os profissionais da educação na resolução de conflitos, na identificação de situações de vulnerabilidade em relação aos estudantes, e na promoção de ações que cooperem para a melhoria do ambiente escolar", detalha o Estado. O programa segue as diretrizes da Lei nº 13.935, de 11 de dezembro de 2019, que prevê que as redes públicas de Educação Básica tenham serviços da psicologia e do serviço social. 

Para a professora Daniela Gonçalves Joaquim, que desde 2003 atua na rede estadual de educação, em Minas Gerais, este é um serviço distante da comunidade escolar. “O psicólogo e o assistente social precisam atender dez escolas. Eles não dão conta”, denuncia a profissional. Daniela acredita que todas as unidades de ensino deveriam contar com esses profissionais, uma vez que os problemas de saúde mental estão mais frequentes, principalmente após a pandemia. “A população está adoecida e os estudantes também. Estão com síndrome do pânico, com crises de ansiedade. Esses profissionais também poderiam ajudar com os casos de bullying, racismo, LGBTfobia”, ressalta. 

Esse mesmo problema é apontado por uma outra professora que atua em uma escola na região metropolitana de Belo Horizonte e que, por medo de represálias, não será identificada. Ela também denuncia que os estudantes que necessitam de auxílio especializado encontram dificuldades no o ao serviço. "Para receber algum tipo de ajuda é necessário realizar uma bateria de exames, que o Sistema Único de Saúde (SUS) não oferece. Quando oferece, o processo é demorado”, explica. Além dessa realidade, a professora expõe que muitas famílias estão desassistidas e não compreendem a colaboração dos atendimentos psicológicos e da assistência social. “Eles têm dificuldades em aceitar os relatórios. Uma vez que a família não aceita, a escola fica de mãos e pés atados", descreve. 

Conforme o governo de Minas, o Núcleo de Acolhimento Educacional contratou somente no ano ado, quando foi anunciado, 460 psicólogos e assistentes sociais. Esses profissionais atuam de maneira itinerante, realizando palestras e oficinas junto à comunidade escolar. Para a psicóloga Aline Ottoni Moura, que é coordenadora do curso de uma universidade da rede particular da capital, o ideal seria que cada unidade pudesse contar com essa equipe multidisciplinar para que, assim, os profissionais conseguissem conviver no ambiente escolar para entender as particularidades do grupo no qual atuam.

“Seria uma forma de vivenciar a escola. Infelizmente, ainda não temos isso. Mas existem cidades do interior onde essa assistência está bem mais avançada do que na capital”, aponta.