Por dia, dois caminhões são levados por criminosos em Minas Gerais. A prática, que já é um desafio antigo para transportadoras e motoristas, tem sido motivada principalmente pelo lucro que os bandidos conseguem com o desmanche e a revenda ilegal de peças. De acordo com dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), em 2024 foram registrados 438 furtos e 233 roubos de caminhões em todo o Estado.

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Com a maior malha rodoviária do país, Minas Gerais é um dos principais alvos desses criminosos, que lucram alto com o comércio clandestino de peças. “As peças têm um valor relevante, que incentiva esse tipo de crime. E o Estado é muito grande, então os criminosos não agem localmente”, explica o delegado Luciano Guimarães, chefe da Divisão Especializada em Prevenção e Investigação a Furto e Roubo de Veículos Automotores (Depifrva).

Um estudo feito pela Associação Brasileira de Rastreabilidade de Partes e Peças de Máquinas, Veículos e Equipamentos (Abirpp) aponta que os criminosos conseguem triplicar o valor de um caminhão após desmontá-lo e vender suas peças. Na análise, com a venda de peças de um caminhão de R$ 800 mil é possível arrecadar R$ 2 milhões no mercado ilegal. “As peças são caríssimas. Um criminoso pode lucrar R$ 100 mil, R$ 200 mil em apenas um dia”, afirma Sinval Pereira, presidente da entidade.

Dados da Sejusp apontam que o número de roubos tem se mantido em patamar estável — foram 248 em 2022, 210 em 2023 e 233 em 2024. No entanto, o número de furtos tem crescido ano a ano. Em 2023, o número saltou de 243 para 358, um aumento de 47,33%. Em 2024, o total já chegou a 438, o que representa nova alta de 23,35%.

O cenário afeta quem precisa trabalhar na profissão, conforme detalha o caminhoneiro Osvaldo Ferreira da Silva, de 55 anos, que reside no Sul de Minas. A principal fonte de renda da família dele está no transporte em caminhões pelas rodovias mineiras. "A gente tem medo. Na BR-381, se você para o caminhão na pista, aparece alguém para rasgar a sua lona e mexer na sua carga. São pessoas preparadas para isso e que combinam esse crime por grupos de WhatsApp", conta.

O caminhoneiro afirma que já foi vítima da ação de criminosos enquanto trabalhava, em seu caminhão, nas rodovias. Uma delas ocorreu quando ele se acidentou, em decorrência da condição precária do asfalto. "Estava com muitos buracos e o meu caminhão acabou tombando. Não demorou muito tempo e se aproximou um grupo de pessoas. Ninguém parou para prestar ajuda, mas para pegar toda a minha carga. Queriam até me bater", lembra.

Vacina contra furtos e roubos 6e39x

Para coibir o furto e roubo de caminhões, a Abirpp defende a adoção de sistemas de rastreabilidade para cada peça do caminhão, como forma de dificultar a revenda ilegal e, consequentemente, desestimular o crime. “A gente não combate o ladrão, a gente combate o receptador”, resume Sinval.

A solução sugerida pela Abirpp é conhecida como sistema de vacina — um tipo de gravação permanente em peças do caminhão, semelhante ao que já é feito com os chassis. “O caminhão fica todo marcado, como uma blindagem visual. Isso inibe o roubo antes mesmo de ele acontecer. É levar segurança para o motorista”, diz Sinval.

Segundo ele, a eficácia do sistema depende da qualidade da gravação. “Tem que ser com máquina de alta precisão, que custa cerca de R$ 60 mil. A gravação comprime as moléculas do material. Mesmo que o criminoso raspe, a marcação continua visível com exame pericial”, explica.

Além disso, todas as peças com esse tipo de marcação ficam associadas à placa do veículo. Caso seja feito um boletim de ocorrência, por exemplo, a informação de furto ou roubo pode ser automaticamente relacionada a centenas de peças.

Crime organizado e sofisticado 4o6w3u

Na avaliação do especialista em segurança pública Luiz Flávio Sapori, o roubo e furto de caminhões está diretamente ligado ao crime organizado. “É uma modalidade profissionalizada. Os caminhões são furtados sob encomenda ou para desmanche. É uma rede criminosa bem estruturada, com conexão direta com o mercado ilegal”, explica.

Para Sapori, ações de repressão devem ir além do patrulhamento ostensivo. “O trabalho da Polícia Militar é importante, mas tem limitações. O fundamental é valorizar a investigação criminal com uso de inteligência policial, para identificar e desmontar essas redes de receptação”, afirma.

Além de desmanches, muitos desses caminhões também voltam ao mercado com chassis adulterados ou peças revendidas a lojas e oficinas sem procedência. Para Sapori, medidas como a rastreabilidade de peças seriam bem-vindas. “É algo que dificulta a atuação desses grupos”, conclui.

O delegado Luciano Guimarães reforça que a Polícia Civil tem realizado investigações com o objetivo de “identificar quadrilhas especializadas em furtos e roubos de veículos”. Além disso, ele dá dicas de segurança para os caminhoneiros. “Eles devem adotar estratégias de prevenção, como uso de dispositivos de segurança — rastreadores e bloqueadores”, destaca.

“Além disso, é importante evitar rotas alternativas e locais mais afastados, transitar pelas vias principais. Caso ele perceba o crime, é importante manter a calma, não reagir e, quando tiver condições, acionar a polícia o mais rápido possível, com o máximo de informações que conseguir”, completa.

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