É tentador simplificar o sucesso esportivo. Encontrar a “fórmula mágica” que transforma talentos em títulos e apostas ousadas em histórias de superação. Talvez essa seja a diferença entre quem vive o esporte do lado de dentro e quem o analisa do lado de fora — como a diferença entre astronautas e astrônomos: ambos são fascinados pelo espaço, mas enquanto um se contenta em observar, o outro arrisca a própria vida para explorar o desconhecido.
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Tomemos o exemplo do Paris Saint-Germain, campeão incontestável da Liga dos Campeões da Uefa de 2025, com uma goleada histórica sobre a sólida Inter de Milão. Muitos se apressaram em explicar a conquista como fruto de uma nova austeridade financeira, como se gastar “menos e melhor” fosse a única peça que faltava para alcançar o topo da Europa. Mas reduzir essa jornada a um simples ajuste de contas ignora o impacto de anos de investimento em infraestrutura, a maturação de jovens talentos como Warren Zaïre-Emery, a manutenção da liderança do brasileiro Marquinhos, a mística em torno do treinador Luis Enrique com sua incrível história de superação e a construção de uma mentalidade coletiva que, mesmo diante de tropeços, não cedeu à pressão externa. No esporte, assim como na exploração espacial, o caminho é cheio de órbitas instáveis, reentradas turbulentas e jornadas que não se completam na primeira tentativa.
A Alemanha de 2014 é outra lição. É fácil atribuir o tetracampeonato à criação de modernos centros de treinamento, como se esses edifícios fossem os únicos responsáveis por transformar a história do futebol alemão. Esquece-se que a mesma Alemanha, que parecia invencível em 2014, caiu na fase de grupos em 2018 e 2022, mostrando que mesmo o sistema mais robusto está sujeito às tempestades do esporte. É como se, após retornar à Terra, o astronauta encontrasse um planeta completamente diferente, exigindo novas abordagens para sobreviver.
O Brasil de 1994 também carrega seu mito. É lembrado como “o time de Romário”, como se o baixinho tivesse feito tudo sozinho. Mas a vitória nos Estados Unidos só foi possível graças à consistência defensiva de Aldair e Márcio Santos, à liderança de Dunga, ao parceiro de ataque Bebeto e ao planejamento meticuloso de Carlos Alberto Parreira. Mesmo sem Romário, a Seleção chegou à final em 1998 e conquistou o pentacampeonato em 2002, provando que grandes equipes vão além de seus astros. Não basta ter um piloto brilhante para pousar com sucesso uma nave — é preciso uma tripulação inteira, treinada para cada possível imprevisto.
O esporte é um mosaico de decisões estratégicas
O Leicester City, campeão da Premier League em 2016, não venceu apenas porque acreditou no impossível. Foi uma combinação rara de talentos subestimados, concorrentes em crise e um técnico que soube construir uma narrativa de superação coletiva. Da mesma forma, o Golden State Warriors na NBA não transformou o basquete apenas com arremessos de três pontos, mas com uma cultura de inovação, química coletiva e um sistema que permitiu que jogadores como Stephen Curry redefinissem o jogo.
No fim das contas, o esporte é um mosaico de decisões estratégicas, sacrifícios silenciosos e, muitas vezes, erros que pavimentam o caminho para a glória. Ignorar essa complexidade não só distorce a realidade, mas também impede que novas lições sejam aprendidas e aplicadas. Afinal, enquanto os astrônomos continuam apontando seus telescópios para as estrelas, os astronautas seguem arriscando a vida para descobrir o que há além do que os olhos podem ver.
P.S.: Coluna em homenagem ao meu querido amigo Evandro Mota, astronauta do futebol.

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Felipe Ximenes escreve sua coluna no Lance! todas as quartas-feiras. Confira outras postagens do colunista:
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