BRASÍLIA – Anderson Torres pediu desculpas ao ministro Alexandre de Moraes, durante interrogatório nesta terça-feira (10), por xingamentos durante reunião ministerial em que atacou o Supremo Tribunal Federal (STF) e citou “indícios” de hackeamento do sistema eleitoral brasileiro.
“O senhor é delegado da Polícia Federal, e o senhor sabe que indício é um termo técnico para início de provas. O senhor tinha algum indício de fraude às urnas?”, questionou Moraes. “Exatamente eu, ministro, eu não tinha [...]. São só colocações pessoais minhas ali na reunião”, respondeu Torres.
Ainda sobre a reunião ministerial, Torres justificou que era um momento “muito acirrado na relação entre o Executivo e o Judiciário”. O ex-ministro da Justiça alegou que a tensão era provocada por decisões do STF contra medidas do governo Bolsonaro.
“Eu fui um dos que mais me esforcei para que essa relação não se esbagaçasse. Eu tentei de todas as formas manter o diálogo, mas eu sentia uma pressão muito grande”, ponderou.
Na reunião ministerial de julho de 2022, Torres afirmou, ao microfone, que todos presentes iriam “se foder” caso o PT ganhasse as eleições presidenciais de 2022.
“Senhores, todos vão se foder! Eu quero deixar bem claro isso. Porque se... eu não tô dizendo que... eu quero que cada um pense no que pode fazer previamente porque todos vão se foder”, afirmou ele, ao lado de Bolsonaro e olhando para os ministros.
Em outro momento, Moraes reforçou o questionamento à Torres sobre dúvidas a respeito da lisura das urnas e o ex-ministro da Justiça afirmou que nunca houve qualquer indício de fraude.
“Eu nunca questionei a lisura do processo eleitoral. Todas as minhas falas são em relação às sugestões de melhorias que os peritos trouxeram naqueles documentos”, argumentou Torres.
“Tecnicamente falando nós não temos nada que aponte fraude nas urnas. Nunca chegou essa notícia até mim. E quando era questionado pelo presidente ou por qualquer autoridade eu sempre ei isso. Que nós não tínhamos tecnicamente nada a dizer sobre as urnas”, disse.
O ex-ministro da Justiça deu as declarações após ser questionado por Moraes sobre a live comandada por Bolsonaro, em 29 de julho de 2021, no Palácio da Alvorada, que, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), marcou o início da trama golpista.
Na transmissão ao vivo, Bolsonaro fez acusações sem provas contra as urnas e a segurança do processo eleitoral. O então presidente fazia campanha pela volta do voto impresso.
Anderson Torres participou da transmissão ao vivo e reforçou as críticas de Bolsonaro, com base em recomendações de segurança feitas por peritos da PF.
“Pedi pro meu chefe de gabinete fazer um levantamento ali, no âmbito do Ministério da Justiça, para a gente avaliar algum material, alguma coisa que pudesse me instruir para participar da live. Vieram até o meu chefe de gabinete alguns relatórios produzidos pela Polícia Federal, acredito eu no teste público de segurança os peritos fazem algumas análises do sistema eleitoral e eles fazem algumas sugestões de aperfeiçoamento do sistema [...] Ele leu, marcou tudo o que eles entendiam que eu pudesse acrescentar numa live sobre esse assunto”, disse Torres no depoimento desta terça.
Torres era o secretário de segurança do DF em 8 de janeiro de 2023
Torres foi o segundo réu a depor no segundo dia de interrogatórios dos integrantes do chamado “núcleo 1” ou “núcleo crucial” da suposta trama golpista contra Lula. Os interrogatórios acontecem na sala de sessões da Primeira Turma do STF.
O núcleo 1 tem oito réus, incluindo Bolsonaro. Os depoimentos começaram na segunda-feira (9). A Primeira Turma julga a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Baseada em investigação da PF, ela diz que o grupo encabeçado por Bolsonaro teve papel central na tentativa de ruptura institucional. A denúncia foi aceita pelo STF em março.
Os réus respondem por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas podem chegar a 43 anos de prisão.
Torres foi ministro da Justiça entre março de 2021 e dezembro de 2022. Em seguida, assumiu como secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Ele ficou no cargo entre 2 e 8 de janeiro, sendo exonerado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB), após os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília.
Torres estava fora do Brasil em 8 de janeiro de 2023, quando prédios públicos foram invadidos e depredados. O então secretário de Segurança viajou para os Estados Unidos com sua família na noite de 6 de janeiro, três dias antes do início oficial de suas férias – tiradas apesar de tão poucos dias no cargo.
Torres foi denunciado pela PGR por suposta participação nos núcleos de Desinformação e Ataques ao sistema eleitoral, que disseminavam informações falsas contra a urna eletrônica, e no Núcleo jurídico, responsável pela minuta do decreto golpista.
A PF apreendeu a chamada “minuta do golpe” na casa de Torres, em 10 de janeiro de 2023. Ele nega envolvimento na confecção do documento, mas o general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Junior, que comandaram o Exército e a Aeronáutica na gestão Bolsonaro, respectivamente, confirmaram à PF que ele participou da elaboração.
Torres virou réu por decisão da Primeira Turma do STF em 26 de março, junto ao chamado “núcleo crucial”, que tem Bolsonaro como liderança. De acordo com a PGR, Torres usou o cargo para atacar instituições, com foco no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O parecer da PGR também apontou papel de Torres na operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) nas eleições de 2022. Na época, denúncias deram conta de blitz montadas para dificultar o o de eleitores às urnas, especialmente na região Nordeste, onde Bolsonaro poderia perder para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).