BRASÍLIA - O ex-ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, disse nesta sexta-feira (6) que pediu sua demissão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para garantir "total liberdade e isenção" nas investigações em que ele responde por acusações de assédio sexual. 

“Nesta sexta-feira (6), em conversa com o Presidente Lula, pedi para que ele me demitisse a fim de conceder liberdade e isenção às apurações, que deverão ser realizadas com o rigor necessário e que possam respaldar e acolher toda e qualquer vítima de violência. Será uma oportunidade para que eu prove a minha inocência e me reconstrua”, diz em um dos trechos da nota. 

A demissão de Silvio Almeida foi oficializada pelo governo federal, no início da noite desta sexta-feira (6), diante das denúncias de assédio sexual contra ele que vieram a público na quinta-feira (5) à noite. A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, seria uma das vítimas, segundo o portal Metrópoles.  

O ex-ministro ainda diz no texto que é o maior interessado em provar a inocência dele e ressalta que deseja que os fatos sejam postos para que ele possa se defender dentro do processo legal. Atualmente, duas investigações estão em andamento: uma sob responsabilidade da Polícia Federal (PF) e outra no âmbito da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

"Em razão da minha luta e dos compromissos que permeiam minha trajetória, declaro que incentivarei indistintamente a realização de criteriosas investigações. Os esforços empreendidos para que tenhamos um país mais justo e igualitário são frutos de lutas coletivas e não podem sucumbir a desejos individuais. Sou o maior interessado em provar a minha inocência".

No comunicado, ele ainda faz um balanço do tempo que esteve à frente da pasta e diz que ao longo de 1 ano e 8 meses reconstruiu a política de direitos humanos no Brasil, acumulando vitórias e conquistas que, segundo ele, “jamais serão apagadas”. Ele afirmou também que não colocará em risco o progresso alcançado na defesa das pessoas invisibilizadas e cita o combate à violência contra a mulher, do qual é acusado . 

“É preciso combater a violência sexual fortalecendo estratégias compromissadas com um amplo espectro de proteção às vítimas. Critérios de averiguação, meios e modos de apurações transparentes, submetidos à controle social e com efetiva participação do sistema de justiça serão a chave para efetivar políticas de proteção à violência estimulada por padrões heteronormativos”. 

Após o desligamento do ex-ministro dos Direitos Humanos, a secretária-executiva da pasta, Rita Cristina de Oliveira, também pediu para ser exonerada. Ela ocupava o cargo desde o início do governo Lula e era uma das principais aliadas do então titular do ministério.

Denúncias contra Silvio Almeida: o que aconteceu?

O caso foi revelado na quinta-feira (5) pela coluna do jornalista Guilherme Amado, do portal Metrópoles. A reportagem cita, inclusive, que uma das vítimas teria sido a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. O comunicado do Me Too que confirma as denúncias contra o ministro, no entanto, preserva os nomes das denunciantes.

De acordo com a entidade, as mulheres buscaram apoio por meio dos canais de atendimento da organização, pelos quais receberam e psicológico e jurídico. O movimento acrescenta que elas decidiram confirmar o caso à imprensa, cientes das dificuldades em obter respaldo institucional para validar as denúncias.

“Como ocorre frequentemente em casos de violência sexual envolvendo agressores em posições de poder, essas vítimas enfrentaram dificuldades em obter apoio institucional para a validação de suas denúncias. Diante disso, autorizaram a confirmação do caso para a imprensa”, diz trecho do comunicado da entidade.

Conforme a publicação, uma das vítimas do assédio teria sido a ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial. É relatado que as práticas incluíam toque nas pernas da ministra, beijos inapropriados ao cumprimentá-la, além de o próprio Silvio Almeida, supostamente, ter proferido expressões chulas e de conteúdo sexual a Anielle.

Na postagem em seu perfil pessoal em uma rede social, Anielle não confirmou ter sido vítima, conforme divulgado, mas agradeceu o apoio recebido e elogiou a “ação contundente” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que minutos antes havia anunciado a demissão de Silvio de Almeida.

A demissão

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) demitiu Silvio Almeida do comando da pasta Direitos Humanos, nao início da noite desta sexta-feira (6). A Secretaria de Comunicação da presidência emitiu uma nota comunicando a demissão e dizendo que o presidente considerava a permanência nele no cargo como "insustentável" considerando a natureza das acusações de assédio sexual.

No documento, o governo reconhece a gravidade das denúncias e declara que as acusações serão tratadas com o “rigor” e a “celeridade” necessários. "O governo federal reitera seu compromisso com os Direitos Humanos e reafirma que nenhuma forma de violência contra as mulheres será tolerada", diz trecho da nota. 

As acusações contra Silvio Almeida começaram a repercutir no governo minutos depois da publicação da reportagem. O primeiro gesto do Planalto foi chamar uma reunião ainda na quinta-feira da qual participaram, além do ministro, o controlador-Geral da União, Vinícius Carvalho, e o advogado-Geral da União, Jorge Messias. 

Nos bastidores, Silvio chegou a ser aconselhado a deixar o cargo por conta própria, inclusive em conversa com o próprio presidente. Ele, no entanto, negou e disse que iria provar que é inocente. 

Cumprindo agendas oficiais em São Paulo e em Goiânia, o presidente Lula retornou a Brasília nesta tarde de sexta-feira, onde iniciou uma série de encontros no Palácio do Planalto para definir o futuro do ministro. 

O petista esteve primeiro com Vinícius Carvalho, Jorge Messias e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Lula também se reuniu com Anielle Franco e as ministras Esther Dweck (Gestão) e Cida Gonçalves (Mulheres) antes de encontrar com Silvio Almeida e informar a decisão, que era dada como certa já pela manhã. 

Isso porque, antes mesmo de voltar à capital federal, Lula disse em entrevista que as denúncias seriam investigadas, e antecipou que não havia clima para o ministro se manter no cargo. “Não posso permitir assédio. Vamos ter que apurar corretamente, mas não acho possível a continuidade no governo”, afirmou Lula à Rádio Difusora, de Goiânia.

Investigações foram abertas

A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) foram acionados para investigar o caso. O diretor-geral da PF, Andrei os, indicou uma delegada para conduzir o inquérito. Além disso, há um processo aberto pela Comissão de Ética da Presidência da República, que se reuniu de forma emergencial nesta sexta-feira. O colegiado deu o prazo de 10 dias para que Almeida se pronuncie sobre o assunto. 

Clima no governo

Integrantes do governo Lula diziam que o assunto circulava nos bastidores há ao menos sete meses, chegando ao conhecimento do presidente e da primeira-dama, Janja da Silva. Após as denúncias, ela, inclusive, publicou uma fotografia nas redes sociais na qual aparece beijando a testa da ministra Anielle Franco.  A foto não foi acompanhada por legenda.  

Mais cedo nesta sexta-feira, em entrevista à rádio Difusora, de Goiânia (GO), Lula disse que “o governo precisa de tranquilidade” para tocar uma agenda de crescimento e que ele não podia permitir que “um erro pessoal”de um membro do governo prejudicasse esse plano.

"O país está indo bem, as coisas estão funcionando bem, a economia está crescendo, o emprego está crescendo, o salário está crescendo, o nosso comércio exterior está crescendo. [...] Eu não vou permitir que um erro pessoal de alguém, ou um equívoco de alguém, vá prejudicar o governo. Nós queremos paz e tranquilidade”, declarou.

Veja a nota de Silvio Almeida na íntegra:

"Nesta sexta-feira (6), em conversa com o Presidente Lula, pedi para que ele me demitisse a fim de conceder liberdade e isenção às apurações, que deverão ser realizadas com o rigor necessário e que possam respaldar e acolher toda e qualquer vítima de violência. Será uma oportunidade para que eu prove a minha inocência e me reconstrua.

Ao longo de 1 ano e 8 meses à frente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, reconstruímos a política de direitos humanos no Brasil. Acumulamos vitórias e conquistas durante essa jornada que jamais serão apagadas.

A luta histórica do povo brasileiro e sua libertação são maiores que as aspirações e necessidades individuais. As conquistas civilizatórias percebidas pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) correm risco de erosão imediata, o que me obriga a ir ao encontro das lutas pelas quais dediquei minha vida inteira.

 Não colocarei em risco o progresso alcançado em defesa do povo invisibilizado, vítima de um massacre ininterrupto, pobre, favelado e à margem do processo civilizatório. A segurança e proteção da mulher, sua emancipação e a valorização das suas subjetividades são a força motriz e a potência reformadora e proeminente que o país precisa.

É preciso combater a violência sexual fortalecendo estratégias compromissadas com um amplo espectro de proteção às vítimas. Critérios de averiguação, meios e modos de apurações transparentes, submetidos ao controle social e com efetiva participação do sistema de justiça serão a chave para efetivar políticas de proteção à violência estimulada por padrões heteronormativos.

Em razão da minha luta e dos compromissos que permeiam minha trajetória, declaro que incentivarei indistintamente a realização de criteriosas investigações. Os esforços empreendidos para que tenhamos um país mais justo e igualitário são frutos de lutas coletivas e não podem sucumbir a desejos individuais.

Sou o maior interessado em provar a minha inocência. Que os fatos sejam postos para que eu possa me defender dentro do processo legal.

Silvio Almeida"

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