A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) recomendou à Câmara Municipal de Belo Horizonte a rejeição de um projeto de lei que pretende proibir a participação de crianças em eventos culturais e artísticos classificados como inapropriados, como a Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ e desfiles de blocos afro e de rua. Em documento enviado à presidência da Casa e à Comissão de Direitos Humanos, a instituição alerta para “vícios de inconstitucionalidade formal e material” na proposta, atualmente em análise na Comissão de Direitos Humanos.
De acordo com a Defensoria, o projeto viola competências exclusivas da União, tanto no que diz respeito à classificação indicativa de eventos quanto à legislação sobre proteção da infância e da juventude. “Trata-se de matéria que a Constituição Federal atribui à atividade regulatória da União, não cabendo ao município inovar de forma autônoma nesse campo”, destaca o texto da recomendação.
Além disso, a DPMG critica a forma como o projeto associa, de maneira explícita, eventos ligados à comunidade LGBTQIAPN+ e à cultura afro-brasileira a conteúdos considerados sexualizados ou impróprios. “A proposição normativa descumpre as obrigações de se construir uma sociedade livre, justa e solidária, fundada nos princípios da igualdade, cidadania e no pluralismo, bem como ofende as normas constitucionais relativas à liberdade e à valorização da cultura”, diz o documento assinado pelos defensores Paulo Cesar Azevedo de Almeida e Daniele Bellettato Nesrala.
O que o projeto de lei prevê
O Projeto de Lei 011/2025, de autoria do vereador Pablo Almeida e coassinado pelos vereadores Uner Augusto, Vile Santos e Sargento Jalyson, todos do PL, proíbe a presença de crianças (pessoas com até 12 anos) em eventos culturais, artísticos e carnavalescos considerados “incompatíveis com a faixa etária”, especialmente aqueles que envolvam nudez explícita ou conteúdos de caráter sexual.
O texto estabelece que os organizadores dos eventos devem fazer uma auto classificação provisória da faixa etária recomendada. Essa classificação pode ser revisada e alterada pela Prefeitura, que teria poder para reclassificar os eventos de forma definitiva. Caso a reclassificação imponha restrição maior e a presença de crianças ainda ocorra, os organizadores estarão sujeitos a multa de mil reais e à suspensão da autorização para realizar novos eventos no município.
A proposta lista explicitamente eventos como a Parada do Orgulho LGBTQIAPN+, blocos afro e blocos de rua como exemplos de manifestações culturais que poderiam ser alvo de restrições, o que motivou os questionamentos por parte da Defensoria Pública.
Para a instituição, esse mecanismo fere o princípio da liberdade de expressão e configura censura seletiva. “A listagem nominal da Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ e de blocos carnavalescos afro dentre as manifestações culturais alvo de controle por parte do Poder Público local é carregada de um prévio juízo de valor”, pontua o órgão.
“A correlação feita pelo projeto entre essa manifestação política e cultural da comunidade LGBT+ com ‘exposição de nudez explícita’ e ‘encenações de caráter sexual’ reforça, equivocadamente, o infeliz estereótipo de que a afetividade entre pessoas do mesmo sexo e a livre expressão da identidade de gênero são posturas patológicas, desviantes e reprováveis.”
O documento da DPMG também argumenta que o projeto aprofundaria desigualdades históricas. “Ao proibir que crianças e adolescentes em debates sobre diversidade, apenas colabora para a formação de pessoas despreparadas para a vida em democracia, não aptas a conviver com as diferenças do caráter plural da sociedade”, alerta.
A recomendação foi enviada ao presidente da Câmara, Juliano Lopes (Podemos), e à presidente da Comissão de Direitos Humanos, vereadora Juhlia Santos (Psol), que é a relatora da matéria. A reportagem procurou a assessoria da Câmara e os dois parlamentares, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. Já o vereador Pablo Almeira (PL), autor do projeto de lei, afirmou à reportagem que "a defesa das crianças é uma pauta inegociável e não se trata de proibição e sim que seja feita uma classificação indicativa, para que as nossas crianças não sejam expostas a conteúdos inapropriados".
"Eu não tive o ao documento e por isso não posso opinar sobre o contexto e o seu conteúdo, o que posso dizer é que nosso projeto ou pela CLJ e demais comissões como manda o regimento da casa e se contivesse algum vício ou inconstitucionalidade a própria CLJ já impediria a tramitação", afirmou.
O projeto de lei está em análise em primeiro turno na Comissão de Direitos Humanos e, em seguida, deve ser votado em primeiro turno no plenário da Câmara Municipal.