Errado por linhas certas
As redes sociais têm permitido que a circulação de informações ocorra atualmente com velocidade e alcance nunca antes imaginados.

As redes sociais têm permitido que a circulação de informações ocorra atualmente com velocidade e alcance nunca antes imaginados. Esse assunto é extensivamente discutido: a disseminação de notícias falsas é um tema bem-conhecido, e a concentração das pessoas em grupos de opinião semelhante também vem sendo muito estudada. Um efeito pouco debatido é o ressurgimento de políticos com visibilidade e popularidade que concentram suas carreiras na atuação parlamentar.
Até a década de 2010, seria difícil conceber que um deputado se tornasse muito conhecido por seus discursos e debates em ambiente legislativo. Pelo contrário, inclusive, pois os campeões de votos se mantinham afastados da tribuna e concentrados nos gabinetes e corredores onde pudessem negociar recursos para serem direcionados às suas bases eleitorais.
Esse quadro mudou muito. Para compreender essa alternação, basta assistir ao curto vídeo no qual os deputados federais André Janones e Nikolas Ferreira ameaçam entrar em luta corporal nos corredores da Câmara dos Deputados. A cena, que reúne os dois parlamentares mais bem votados em Minas Gerais em 2022, foi gravada há poucos dias e chocou o Brasil pela agressividade de ações e palavras. Porém, vale observar que há mais pessoas tentando filmar o tumulto do que contendo os deputados – inclusive, há momentos de fúria dos dois personagens nos quais ninguém se lembra de segurá-los, e ambos acabam se debatendo sozinhos, indicando falha na coreografia.
Muito se disse que Janones e Ferreira deixaram de debater ideias e partiram para a agressividade. Pelo contrário, a agressividade serviu para promover audiência para as ideias que ambos veiculam em suas redes sociais. Se não fosse por esse recurso, seus discursos acabariam caindo no vazio: não faz sentido esbravejar contra as ameaças de um inimigo sem pontuar essa narrativa com um encontro – dramático e emocionante – com esse inimigo.
Enquanto a maior parte da opinião pública destaca os pontos negativos dessa dinâmica política, vale notar os pontos positivos desse novo formato. Um deles é que a atenção do público nunca esteve tão voltada para o Legislativo, desde a Constituinte de 1987-1988. É essencial para o amadurecimento de qualquer democracia que uma grande parcela da sociedade reconheça o Legislativo como uma instância de poder e se aproprie das suas dinâmicas.
Nesse sentido, as redes sociais permitem uma aproximação inédita entre quem produz e quem absorve informação, o que tem um considerável poder didático em relação aos mecanismos da democracia.
Escrevendo errado, mas por linhas certas, parlamentares como André Janones e Nikolas Ferreira colocam a política na pauta do dia e têm o Legislativo como seu palco. Isso é importante para desconstruir o Legislativo que herdamos do último período ditatorial: um ambiente estranho à maioria da população, que só era protagonista quando surgiam escândalos de corrupção.
Agora, como o Parlamento se tornou um palco assistido por todos, resta melhorar a qualidade do espetáculo.