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A saúde como um espelho da injustiça

A desigualdade social mata

Por Latinoamérica21
Publicado em 29 de maio de 2025 | 12:09

Jose Julio Villalba y Estefanía Suárez/Latinoamérica21

A expectativa de vida não depende mais dos genes ou da sorte. Depende do código postal, da etnia, da renda, da educação, da paz ou do exílio. O novo Relatório Global da OMS sobre Determinantes Sociais da Equidade em Saúde (2025), lançado em 6 de maio de 2025, é uma declaração baseada em dados que enfatiza que a desigualdade social mata. Ela mata silenciosamente, diariamente e em grande escala.

A epidemiologia clássica sempre procurou padrões, causas e efeitos. Mas hoje, os surtos mais mortais não vêm de patógenos, mas de sistemas. As doenças não são distribuídas aleatoriamente. A injustiça sim.

A brecha que a medicina não pode preencher

Há uma diferença de 33 anos na expectativa de vida entre o país com vida mais longa e o mais vulnerável. Isso não se deve ao fato de o primeiro ter hospitais mais modernos, mas sim ao fato de ter sociedades mais justas. Enquanto a medicina age a jusante, os determinantes sociais agem na fonte; no o à água, à educação, ao trabalho decente.

E a ciência é clara. As condições em que nascemos, crescemos, trabalhamos e envelhecemos explicam mais de 50% da nossa saúde. As desigualdades na saúde não são acidentes ou mistérios médicos, são desigualdades estruturais, previsíveis e evitáveis.

Emergências crônicas: a desigualdade como uma pandemia permanente

A Covid-19 foi o grande holofote que exacerbou as brechas, tornou o esquecimento visível e deixou marcas profundas. Mas, como alerta o relatório, a pandemia apenas revelou o que já estava podre: sistemas em colapso, economias dependentes, dívidas públicas que sufocam os gastos sociais.

Em 2024, mais de 3,3 bilhões de pessoas viverão em países que gastam mais com o pagamento de juros da dívida do que com saúde ou educação. Em muitos deles, os mais pobres morrem de causas evitáveis; não porque não existam soluções, mas porque elas não chegam a tempo ou no lugar certo.

Determinismo social: mais do que contexto, é causa

A epidemiologia do determinismo social não pergunta apenas que doença as pessoas têm, mas quais pessoas têm a doença e por quê. Sob essa perspectiva, o relatório da OMS oferece um mapa com quatro caminhos urgentes:

1. Investir em serviços públicos universais para reduzir a desigualdade econômica.

2. Desmantelar a discriminação estrutural que perpetua a desigualdade entre gerações.

3. Orientar a mudança climática e a digitalização para a equidade na saúde.

4. Construir novas formas de governança com participação real e dados desagregados.

A desigualdade social não é reduzida por intervenções clínicas. Ela é combatida com políticas fiscais progressivas, sistemas de proteção social e estruturas jurídicas que restauram os direitos onde eles foram historicamente negados.

Olhando para o invisível: racismo, gênero e migração como determinantes

O relatório vai além da teoria. Ele coloca o foco onde dói: racismo estrutural, sexismo, capacitismo, xenofobia, saúde das mulheres, povos indígenas, migrantes ou pessoas com deficiência; não é pior por causa da biologia, é pior por causa da exclusão.

Por exemplo, as mulheres em situação de pobreza têm maior probabilidade de morrer de causas maternas. Não porque seus corpos falham, mas porque o sistema falha com elas. A discriminação estrutural é herdada, normalizada e se torna uma doença.

E em contextos de migração forçada e conflito, a negação do direito à saúde torna-se uma forma de violência. A saúde não pode depender de um aporte.

Clima e tecnologia: forças para o progresso ou novas formas de exclusão?

A mudança climática não é mais o futuro: é o presente. Ela afeta as colheitas, a água, a habitação. Afeta a saúde; e, como tudo no mundo, afeta de forma desigual. O relatório insiste: a transição energética e a adaptação climática devem ser justas. O planeta não pode ser salvo excluindo-se aqueles que menos o prejudicaram.

O mesmo se aplica à digitalização. A exclusão digital não se trata apenas de conectividade, mas de direitos. A saúde digital não deve ser um privilégio, mas um bem comum. Sem regulamentação, ela pode aumentar a desigualdade, perpetuar preconceitos algorítmicos e deixar milhões de pessoas para trás.

Os dados como poder: sem evidências, não há justiça

A governança deve ser baseada em dados que exponham o que está sendo escondido, portanto, devem ser desagregados por idade, gênero, etnia, migração e deficiência. Sem eles, a invisibilidade persiste. Com eles, a política pode ser corrigida.

O relatório recomenda o fortalecimento dos sistemas estatísticos, das plataformas intersetoriais e dos mecanismos de prestação de contas. Porque o que não é medido não é priorizado.

A equidade em saúde não é um sonho, é uma decisão política

A OMS afirma sem ambiguidade: a equidade é uma escolha e a epidemiologia social é a bússola para fazer essa escolha de forma justa. Não basta querer um mundo saudável, é necessário construí-lo, e isso implica redistribuir poder, dinheiro e recursos.

A região da América Latina tem uma história marcada por profundas desigualdades, mas também por lutas coletivas. Este relatório é uma ferramenta para transformar evidências em ação, para que a saúde deixe de ser um privilégio e se torne um direito.

Porque se a pandemia nos ensinou alguma coisa, é que ninguém está a salvo até que todos o estejam.

(*) José Julio Villalba é nutricionista pela PUCE e Especialista em Saúde Pública pela USFQ, diplomada em Políticas Públicas pela FLACSO. Coordenou projetos de saúde reconhecidos pela OPAS e trabalhou como consultor internacional. Atualmente é professor da PUCE, com foco em nutrição comunitária e saúde pública.


Estefanía Suárez é nutricionista e dietista pela Universidade de Azuay (Equador). Mestrado em Epidemiologia pela Universidade Autônoma de Madri e em Agroindústria com especialização em Qualidade e Segurança Alimentar pela Universidade das Américas (Equador).

Tradução automática, revisado por Giulia Gaspar.