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Fernando Fabbrini

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OPINIÃO

Zebra na piscina

A velha natureza dando lições para a nova tecnologia

Por Fernando Fabbrini
Publicado em 29 de maio de 2025 | 03:00

Anos 1960. No auge da corrida espacial, técnicos da NASA enfrentavam um problema sério. O aumento da pressão nos tubos flexíveis dos foguetes e módulos em grandes altitudes estourava as conexões até então conhecidas. Tudo foi resolvido quando um funcionário morador à beira mar deliciava-se com um belo prato à base de lagostas. Tomando uma das pernas do crustáceo, reparou na delicada articulação do bicho. Desse design nasceu um novo tipo de encaixe, muito mais resistente, flexível e que ava pressões como nenhum outro.

Antes disso, em 1948, o engenheiro suíço George Mestral eava sempre com seu cachorro nos campos vizinhos à sua casa. E se aborrecia por conta dos carrapichos que agarravam nas suas calças e no pelo do cão, dando muito trabalho para limpar. Olhando no microscópio percebeu a forma curiosa das extremidades da floração, composta de pequenos ganchos. Decidiu aplicar os formatos em escala industrial e ficou milionário com a invenção, o velcro, batizado a partir de duas palavras sas: "velours" (veludo) e "crochet" (gancho).

Esses são dois exemplos do processo denominado biomimética, que consiste basicamente em observar a natureza e tentar imitá-la, criando soluções inéditas. Viajando de avião, repare nas extremidades das asas. Modelos novos já apresentam um acréscimo vertical na estrutura, semelhante a um leme. São as winglets (ou "asinhas") copiadas das pontas das asas dos abutres, águias, cegonhas e outras aves. Este pequeno detalhe é responsável pela redução da turbulência aerodinâmica, melhorando o desempenho da aeronave e reduzindo consumo de combustível.

Há muitos casos similares. As baleias jubarte podem fazer curvas fechadas e perfeitas mesmo em alta velocidade. Estudando o perfil de suas nadadeiras, engenheiros vêm replicando os resultados nas hélices para geração de energia eólica, em ventiladores e até em projetos aeronáuticos.

Na roça, pare e olhe de perto um cupinzeiro. A estrutura é feita com partículas do solo misturadas com a saliva dos cupins, resistente a fenômenos naturais e a alguns predadores. Curiosa mesmo é sua construção peculiar, mantendo o ambiente com temperatura, umidade e ventilação controladas. Essa foi a inspiração para o sistema de refrigeração do Eastgate Centre, um shopping na cidade de Harare, Zimbabwe, no calorão da África, substituindo o ar-condicionado tradicional e economizando milhões em energia.

Sabe-se que a radiação de luz dos vaga-lumes é ampliada por conta da anatomia desses insetos. Após a constatação, cientistas construíram uma estrutura de LED similar, fabricando uma lâmpada com 55% mais brilho. Das asas das borboletas veio a tecnologia que permite a você olhar para as telas de celular ou tablet sem interferência da luz que nelas incide.

O bico do martim-pescador entra na água sem causar muitos respingos. Isso inspirou o design do nariz do trem-bala japonês, que precisava reduzir o barulho ao sair de túneis. Todo mundo sabe que a teia de aranha tem alta resistência e leveza. Estudá-la inspirou o desenvolvimento de fibras sintéticas como o Kevlar, usado em coletes à prova de balas, próteses, fios cirúrgicos e outras aplicações.

Porém, nem tudo é verdade e dá bom resultado. Virou polêmica, anos atrás, a linha de shorts e maiôs para natação competitiva de uma famosa marca. Replicando a textura da pele do tubarão, prometia acelerar a velocidade dos atletas nas piscinas. Deu briga, chegaram a proibir seu uso, considerando-o um novo tipo de dopping. Pesquisas mais avançadas em Harvard concluíram finalmente que tal vestimenta não oferecia vantagem alguma. A textura só valia na sua forma original – ou seja, no próprio corpo dos tubarões. Em humanos, era fake. Nesse caso, já que estamos falando de bichos, deu zebra.