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Cristovam Buarque

Cristovam Buarque é professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

CRISTOVAM BUARQUE

Amigo cidadão

Alerta de Kakay sobre o isolamento do presidente Lula

Por Cristovam Buarque
Publicado em 27 de fevereiro de 2025 | 16:22

Um ditado antigo diz: “Amigo do rei que o avisa, além de amigo, é bom cidadão”. Ao avisar que o isolamento do PT e do presidente Lula pode levar os eleitores a cair na tentação do regime autoritário de direita, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, foi amigo e cidadão. Sua manifestação vai além de amizade responsável, alerta que a esquerda não percebeu as transformações tecnológicas, sociais, culturais, econômicas e ecológicas que ocorreram nas últimas décadas, exigindo mudanças nos propósitos e na forma de fazer política. 

O mundo entrou no século XXI, mas ideias da esquerda continuam no ado. Isso não é problema para a direita conservadora, mas é a negação da esquerda progressista. A esquerda não viu que os trabalhadores do setor moderno foram incorporados aos beneficiários do progresso capitalista e agora defendem os privilégios que adquiriram. 

Por isso, na Europa e Estados Unidos se opõem aos imigrantes e no Brasil excluem os pobres, imigrantes sociais. Não percebe que o individualismo consumista move mais paixões políticas que sentimento de classe e solidariedade e demorou a entender os limites ecológicos ao crescimento econômico. </CW>
A esquerda continua querendo se diferenciar da direita ao prometer política distributiva, sem perceber que na atual era de limites a distribuição de benefícios exige sacrifício dos que já foram beneficiados. Não entendeu que a sociedade cria uma nova apartação: condomínios e favelas, “escolas-casa-grande” e “escolas-senzala”. 

A esquerda não apresenta esperança que emancipe a população pobre da necessidade de sobreviver graças a bolsas que já são propostas incorporadas pela direita. Não está trazendo esperança para os jovens, que preferem a liberdade do empreendedorismo à segurança por leis em que não confiam.

Não percebe que, ao optar pelo eleitoralismo de vantagens individuais imediatas, cai no campo em que a direita leva vantagem. Que a defesa de direitos identitários obscurece a percepção da desigualdade que divide cada identidade conforme a classe social do indivíduo. Não percebe que as lúcidas defesas de avanços nos costumes começaram a incomodar os arraigados valores morais e as crenças religiosas que a população tem o direito de manter. 

Não percebeu que uma utopia possível e necessária consiste em acenar com um sistema nacional de educação com qualidade e equidade, independentemente da renda e do endereço, filhos de pobres e ricos na mesma escola com qualidade, entre as melhores do mundo. Em seu conservadorismo ideológico e apego ao ado, sua prisão ao eleitoralismo e aos privilegiados, a esquerda não parece capaz de entender que o amigo que avisa ao rei é amigo e cidadão.