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Célia Xakriabá

Célia Xakriabá é primeira deputada federal indígena eleita por MG. Escreve em O TEMPO mensalmente, às quintas-feiras.

CÉLIA XAKRIABÁ

Um projeto de morte disfarçado de progresso

PL da Devastação : o maior retrocesso ambiental dos últimos 40 anos

Por Célia Xakriabá
Publicado em 29 de maio de 2025 | 07:00

CÉLIA XAKRIABÁ é deputada federal (PSOL-MG)

O PL 2.159/2021, ou PL do Licenciamento Ambiental, que estava sendo discutido no Congresso desde 2004, foi aprovado na última quarta-feira (21) no Senado, por 54 votos a 13. Também chamado de PL da Devastação, o projeto é um verdadeiro pacote de destruição ambiental, um ataque sem precedentes aos nossos biomas, aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.

Ele flexibiliza o licenciamento ambiental para mineradoras, agronegócio, construção de grandes obras como rodovias, indústrias, hidrelétricas, e autoriza a destruição de biomas, a contaminação das águas e o aumento da desigualdade. Estamos falando de um projeto que favorece quem lucra com a destruição, enquanto empurra os custos dessa crise para quem vive da terra e cuida dela.

Se aprovada, a medida permite que empreendimentos em a se autolicenciar, dispensando análise prévia dos órgãos ambientais. Na prática, isso significa abrir as portas para que atividades predatórias avancem sem qualquer controle, fiscalização ou responsabilidade, num cenário onde as emergências climáticas já são realidade. Diversas atividades predatórias poderão funcionar sem licença, critério técnico ou avaliação de risco, e órgãos ambientais como o Conama perdem poder de veto, enfraquecendo drasticamente a proteção dessas áreas e a autonomia técnica de quem atua na linha de frente da preservação. 

Há ainda a possibilidade de atividades de “baixo impacto” serem dispensadas de licenciamento, mesmo sem critérios claros e mesmo quando há risco de danos ambientais significativos. A pergunta que fica é: baixo impacto para quem? Para quem não vive no território, para quem não depende do rio, da floresta, do cerrado, da água. Porque para as comunidades tradicionais, para os povos indígenas, o impacto é imenso e determina quem vive e quem morre. Isso tem nome: é um genocídio legislado.

Com a restrição da participação dos órgãos envolvidos, incluindo a Funai, que só será ouvida em casos de terras homologadas, fica ainda mais fácil “ar a boiada”. Isso é extremamente grave, porque segundo dados da APIB, menos de 50% dos territórios originalmente ocupados pelos povos indígenas do Brasil estão hoje oficialmente reconhecidos. Ou seja, territórios que são base de vida, cultura e existência para esses povos, ficam totalmente vulneráveis aos interesses de quem lucra com a destruição. Se a demarcação dos territórios indígenas já era luta suficiente, agora é preciso também combater a destruição da terra e da vida, e defender quem resiste e cuida de suas terras há gerações. 

Ainda não acabou: com a redução da participação da sociedade civil nos processos de licenciamento, as decisões am a ser tomadas de forma centralizada, sem controle social, sem transparência, sem escuta dos povos que serão diretamente impactados. Isso não é apenas um retrocesso democrático — é um golpe contra o direito coletivo de decidir sobre o presente e o futuro dos nossos territórios, da nossa água, da nossa floresta e do nosso clima.

O PL 2.159/2021 é um projeto de morte disfarçado de progresso. É licença pra destruir, pra contaminar, pra expulsar. E é também a confirmação de que seguimos num país onde os interesses do agronegócio, da mineração e dos grandes empreendimentos valem mais, aos olhos de muitos parlamentares, do que a vida do povo e da terra. É hora de agir. O meio ambiente, os territórios indígenas e quilombolas, as águas e a terra estão em jogo. E quem escolhe o lado da vida, não tem outro caminho: resistir, lutar e rehumanizar.