Na última semana, o caso da capivara Filó gerou polêmica nas redes sociais após o influenciador digital Agenor Tupinambá, 23, ter sido multado e obrigado a entregá-la a um centro de reabilitação animal pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). 

O tiktoker vive em uma fazenda no interior do Amazonas e alega ter adotado Filó após a mãe do bicho ter sido morta. Desde então, ele ou a exibir nas redes sociais sua rotina, com muitas imagens em que aparece interagindo com a capivara, como se ela fosse um animal doméstico. Ocorre que, se para muitos essas cenas pareceram fofas e inofensivas, para os agentes da Ibama elas acenderam um alerta. Após apuração, o órgão multou Agenor em R$ 17 mil por exploração indevida do animal, estabelecendo que ele deveria ser entregue ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), onde Filó aria por um processo de reabilitação e seria devolvida à natureza. Ele também foi autuado por casos envolvendo maus-tratos a outros bichos – entre os quais outra capivara e uma preguiça, que teriam morrido sob os cuidados do influenciador. 

No dia 17 de abril, Filó foi entregue ao Ibama, mas Agenor acionou a Justiça na tentativa de reverter a decisão da entidade. No dia 30 de abril, o juiz Márcio André Lopes Cavalcante decidiu que o roedor deveria ser devolvido ao influenciador. Para o magistrado, Agenor vive “em perfeita e respeitosa simbiose com a floresta e com os animais ali existentes” – alegações que foram publicamente contestadas por agentes do Ibama.

Para além das particularidades do caso em si, todo esse imbróglio reacendeu o debate sobre a domesticação de animais selvagens. As capivaras, aliás, não são estranhas aos belo-horizontinos, pois já dominaram a orla da Lagoa da Pampulha. Simpáticos, mas alvos de preocupação, já que hospedam o carrapato-estrela, que provoca a febre maculosa, esses roedores têm visto diminuir sua população na região e a extinção local não está descartada. Por outro lado, famílias de outras espécies silvestres vêm crescendo na Pampulha: segundo o último dado da prefeitura, pelo menos 20 adultos e 11 filhotes de jacarés foram contabilizados na bacia – a maior população do réptil na região desde o início do monitoramento, em 2018. Mas será que qualquer um pode, simplesmente, levar um filhote de um desses animais para casa? E será que seria uma boa ideia, por exemplo, domesticar os bichinhos e, depois, usá-los para viralizar nas redes sociais?

O que diz a lei

Do ponto de vista jurídico, ambas as práticas são puníveis nos termos da lei. É o que explica o advogado Sergio Rodrigo Russo Vieira, sócio-diretor do escritório Nelson Wilians Advogados, em Manaus. “A domesticação de animais silvestres sem autorização do órgão competente é considerada crime ambiental, sujeita as sanções penais e istrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, previstas na Lei nº 9.605/98”, alerta, lembrando que a legislação veta a venda, exportação, aquisição e guarda em cativeiro ou transporte, inclusive de ovos ou larvas desses animais, sem autorização. Em caso de desrespeito, a punição varia conforme o tipo de animal envolvido e a gravidade da infração. “O infrator pode responder criminalmente com pena de detenção de seis meses a um ano e multa, podendo ainda ser obrigado a pagar indenização por danos ambientais causados”, determina. 

“É importante ressaltar que as penas previstas na Lei de Crimes Ambientais podem ser agravadas em caso de reincidência, quando o infrator comete novamente o mesmo tipo de crime. A pena também pode ser aumentada se o crime for praticado contra espécies ameaçadas de extinção ou em unidades de conservação. Ademais, as autoridades competentes podem aplicar sanções istrativas, como a apreensão dos animais e a interdição do estabelecimento onde foram encontrados”, informa o advogado.

Vieira menciona que, por ser uma prática que envolve muitos riscos e responsabilidades, tanto para os animais quanto para os humanos, a domesticação de espécies selvagens não é uma atividade livre e irrestrita no Brasil, mas, sim, uma exceção, que depende de autorização e fiscalização do Poder Público. Nesses casos, “o adotante estar ciente de que assumirá a responsabilidade pela sua guarda, saúde, bem-estar e destinação final do animal silvestre. E, se o bicho adotado morrer, por qualquer motivo que não seja natural ou acidental, o adotante poderá ser responsabilizado criminalmente por maus-tratos ou morte do animal nos termos previsto no artigo 32 da Lei nº 9.605/98”, estabelece.

Riscos da domesticação de animais silvestres

Do ponto de vista do bem-estar animal e humano, a retirada de um bicho do seu habitat natural é igualmente desaconselhada, por ser uma prática potencialmente nociva, como expõe a bióloga Fernanda Raggi Grossi, professora de biologia da Una. “Existe o risco do comportamento desse animal mudar. Então, se no início ele parece dócil, pode ser que, em algum momento, ele se torne agressivo – o que pode acontecer, por exemplo, se ele interpretar alguma ação humana como ameaça”, informa. 

Há também riscos em termos sanitários e de zoonoses. “Muitas espécies silvestres convivem com vírus e bactérias que não fazem mal a eles, mas que, em contato com o ser humano, podem trazer consequências – originando, inclusive, doenças das quais desconhecemos o tratamento. Nós, que viemos de uma pandemia causada por um vírus que migrou do hospedeiro original, o morcego, para o ser humano, deveríamos estar atentos a esse risco”, salienta.

Além disso, Fernanda é crítica à glamourização da relação entre humanos e animais silvestres. “Pode parecer fofo, mas, na prática, essas cenas acabam estimulando o tráfico desses bichos”, pontua, lembrando que a simples retirada um animal do seu habitat natural já configura uma situação de tráfico, mesmo que essa operação não repercuta em transações comerciais. Além disso, como explicou a veterinária Natália dos Santos Ricardo em entrevista a O TEMPO, a humanização dos bichos não é saudável nem mesmo quando estamos falando de pets convencionais, como cães e gatos. “Os animais têm suas próprias demandas de forma que, por exemplo, o excesso de abraços e de banhos serão prejudiciais para a saúde deles”, observou a profissional.

Por fim, Fernanda orienta que, na hipótese de se encontrar um filhote órfão, ferido ou doente, não se deve levá-lo para casa, mas, sim, acionar as autoridades competentes. “Nesse caso, se a pessoa não é um profissional habilitado para fazer esse resgate, o ideal é ligar para a polícia ambiental ou para o pessoal do Corpo de Bombeiros. Pode-se também ligar diretamente para o Cetas, responsável por receber esses animais silvestres resgatados ou entregues para reabilitação”, sinaliza.