O envelhecimento da população já é uma realidade no Brasil. De acordo com o último Censo de 2023, o número de idosos cresceu 57,4% durante os últimos 12 anos no país. A expectativa é que, até 2030, os idosos representem quase 40% da população brasileira, tendo em vista que, além do aumento na média da expectativa de vida do brasileiro, que hoje é de 76 anos, a taxa de fecundidade tem apresentado uma diminuição considerável, com famílias menores, com no máximo 1 ou 2 filhos, sendo cada vez mais comuns.
O cenário apresenta desafios referentes, principalmente, aos cuidados das pessoas mais velhas, tanto por quem os recebe quanto por aqueles que devem aplicá-los, numa dinâmica que envolve múltiplos fatores. É o que explica Marco Túlio Cintra, médico geriatra e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia na seção Minas Gerais.
“Quando falamos em manter a saúde física e mental ao envelhecer, a primeira coisa a se atentar é que esse cuidado precisa ser da vida toda”, pontua, destacando questões fundamentais relativas à “prática de atividade física, vacinação, bons hábitos alimentares, interação social, lazer, trabalho com forte estímulo cognitivo e acompanhamento médico que permita diagnósticos precoces de doenças como hipertensão e diabetes”.
“Quanto mais cedo a gente se cuidar, mais reserva teremos para manter durante um tempo maior nossa autonomia e independência”, analisa Marco Túlio, que diferencia os dois termos. “Autonomia é ter condição cognitiva de decidir, e independência é a capacidade de realizar nossa decisão. Ou seja, o cérebro determina e o corpo executa”. Enquanto algumas pessoas vão conseguir envelhecer bem, outras enfrentarão o chamado “envelhecimento frágil”, sujeito a demências, perda de força muscular e dificuldade de mobilidade, dentre outros problemas.
Apoio
Nesse caso, a incapacidade levará à dependência, e, “quanto mais dependente estiver o idoso, mais alguém terá que suprir aquilo de que ele não dá conta, desde pagar as contas até tomar banho”, exemplifica Marco Túlio. A geriatra e professora da disciplina de Saúde do Idoso da Faculdade de Ciências Médicas, Claudia Caciquinho ressalta que é importante “se antecipar, reconhecendo precocemente a situação de perda da autonomia e independência, promovendo adaptações ao ambiente, com e social e uma rede de apoio e cuidados”.
“O ideal é que, nesse processo, a família busque conhecimento e orientações com profissionais experientes no assunto, e que as mudanças sejam progressivas e respeitem a vontade e dignidade do paciente, que já está sofrendo perdas consecutivas de vitalidade, capacidade funcional e pessoas queridas”, orienta Claudia. Ela ainda indica a leitura do livro “Mortais”, de Atul Gawande. Marco Túlio chama atenção para o fato de que, ao se abordar uma situação de dependência, existem “os dois lados da moeda, com impactos para quem cuida e quem recebe o cuidado”.
“No contexto brasileiro, de um país de baixa e média renda, geralmente quem cuida é alguém que está deixando de realizar algo que gostaria para se dedicar ao outro, muitas vezes deixando de trabalhar e perdendo renda, enquanto aquele que está sendo cuidado, quando não foi acometido por uma demência mais avançada, percebe aquela situação e entende que há algo muito desagradável acontecendo em sua vida, o que gera sofrimento para os dois lados”, aponta o geriatra.
Educação básica
O médico afirma que, numa sociedade preocupada com o envelhecimento, a abordagem dessas questões deveria “começar na educação primária”. “Esses assuntos deveriam começar a ser discutidos com as crianças pequenas, a partir de uma preparação na infância para a vida. Em um país como o nosso, que não se preocupa com o envelhecimento, as pessoas acabam aprendendo na marra, com dificuldades imensas”, situa. Segundo Marco Túlio, esse contexto tem levado a um quadro de “recorrentes adoecimentos psíquicos”.
Ele defende que é preciso criar fontes de informação íveis e de qualidade a fim de capacitar as pessoas que se tornarão cuidadoras. “Além de serem os idosos de amanhã, todas essas crianças pequenas provavelmente vão ter pais e avós muito envelhecidos”, sustenta. Claudia Caciquinho sublinha que é fundamental aquele que cuida “lembrar de cuidar também de si, pois ele vive uma situação de sobrecarga física e emocional, se afasta frequentemente de atividades laborais e sociais, e tem falta de preparo técnico, necessitando de apoio, inclusive profissional”, reforça.
O mais comum no Brasil, em razão da baixa renda da população, é justamente o chamado cuidador informal. “Geralmente é um familiar que assume esses cuidados”, confirma Marco Túlio. “O setor público não assumiu essa necessidade de instituições de longa permanência, o que temos aqui é a assistência social e instituições filantrópicas. O e oferecido para os cuidadores ainda é escasso e ineficiente, precisamos investir nisso”, avalia o geriatra.
Fiscalização
O médico acredita que “não se deve ver as instituições de longa permanência para idosos com preconceito”. “São úteis e necessárias, e, como em tudo na vida, é fundamental o controle e a fiscalização”. Embora nos casos de maus tratos a idosos as agressões físicas sejam mais fáceis de serem detectadas, através de hematomas e fraturas, Marco Túlio aponta que o mais comum são assédios de ordem moral ou financeira.
Situações de “piora funcional ou comportamental, entristecimento, emagrecimento, má adesão aos tratamentos indicados, lesões de pele, e ainda, naqueles que não conseguem se expressar, como nas doenças neurodegenerativas, situações de agitação e situações de enrijecimento ao ser manipulado” são indicativos de maus tratos, informa Claudia Caciquinho.
Mas, para além dessas questões, a negligência iva ocorreria com grande frequência em função de “um cuidador extremamente sobrecarregado, com problemas psicológicos, num contexto difícil de cuidado”. “Ao contrário de cuidar de uma criança, que você a vê aprendendo algo novo e melhorando a cada dia, no caso de boa parte dos idosos, muitas vezes com demências e outros problemas associados, você cuida, cuida, cuida, e vê a pessoa piorar um pouco mais a cada dia”, diferencia Marco Túlio.
“Não cuidamos bem dos nossos cuidadores. Estamos falando de seres humanos, não de máquinas”, completa o especialista. Ao se verificar maus tratos aos idosos, o caminho seguro é recorrer aos Conselhos Municipais do Idoso, Ministério Público ou Defensoria Pública, também podendo realizar uma denúncia anônima através dos canais oficiais do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
O futuro é logo ali
O geriatra Marco Túlio Cintra questiona o que ele chama de “uma ideia idealizada que as pessoas têm” com relação ao envelhecimento. “Elas pensam que vão viajar, ear, aproveitar a vida, e aí vêm algumas questões”. Ele afirma que com o sistema de aposentadoria brasileiro, o valor ado serve basicamente à subsistência, e que aumentos com medicamentos, exames e a saúde em geral tendem a tornar o custo de vida inversamente mais caro, diminuindo o padrão com que a pessoa se acostumou em seu período produtivo.
Na opinião da geriatra Claudia Caciquinho, o segredo “para envelhecer bem é cultivar afetos”. “Criar reserva de amor e manter vínculos afetivos vai ajudar a ser bem cuidado e amado, a aumentar o bem estar e a saúde mental. Além disso, é fundamental que o idoso esteja envolvido em atividades que tragam prazer, criem novos objetivos de vida e se associem a estímulos mentais e físicos. Se o idoso já precisa receber cuidados, é fundamental educar e treinar cuidadores que ainda não tenham preparo para a função. Não troque o cuidador por um empregado doméstico, a não ser que este seja adequadamente preparado”, orienta.
Marco Túlio concorda que os laços sociais são essenciais. “Não exclua aqueles que apresentam alguma incapacidade. Mesmo que a pessoa precise de uma cadeira de rodas ou de ajuda para tomar banho, ela pode se sentar à mesa para fazer uma refeição com os demais integrantes da família, e, apesar de tudo que está acontecendo, isso vai ser melhor para esta pessoa do que mantê-la segregada e sem um papel social”, arremata.