RAROS, MAS MÚLTIPLOS

‘A maior dor do mundo’ de quem não tem tratamento: pacientes de doenças raras lutam pela vida

Fevereiro é o mês de lembrar a resistência de milhões de pessoas para tratar doenças que não estão nas estatísticas

 

O mundo tem pouco mais de 8 bilhões de pessoas. Só nascidas neste início de ano são 12,6 milhões, segundo a organização Worldometers. Além dos aspectos sociais, culturais e físicos que as diferenciam, cada uma delas tem características únicas, que as definem como indivíduos. Alguns traços são formados antes mesmo do nascimento, como a digital, que mistura influência genética com marcas resultantes dos movimentos do feto na barriga da mãe. Essa espécie de cicatriz é exclusiva, cada um tem a sua. Na imensidão de planeta, há ainda quem se diferencie por doenças jamais vistas em outros indivíduos e sequer nomeadas pela ciência, por isso chamadas de “raras”.

Há mais de 8.000 diferentes enfermidades com esse perfil já descobertas no mundo – sem contar as mutações genéticas ainda inexploradas pelos cientistas. O número é capaz de incluir uma legião de pessoas na solidão da excepcionalidade. Nesse universo há pelo menos 13 milhões de brasileiros que lutam pela vida, mesmo quando a medicina ainda não sabe como impedir as mortes, conforme o Ministério da Saúde. No mundo, são 300 milhões.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são consideradas doenças raras aquelas que atingem até 65 pessoas a cada 100 mil habitantes. Estimativas apontam que de 3,5% a 5,9% das pessoas de todo o mundo poderiam ser afetadas por alguma delas. O último dia do mês de fevereiro é considerado o Dia Mundial das Doenças Raras. Em anos comuns, o tema é celebrado dia 28 e, nos bissextos, dia 29 (a data mais rara do calendário). Em 2025, o tema da campanha é “Equidade em saúde”, para reforçar que, dentro das diferenças, as oportunidades de tratamento devem ser iguais.

Carolina Arruda, 28, nasceu em Bambuí, no Centro-Oeste de Minas Gerais. Ela tem diferentes traços que a caracterizam, como cabelos ruivos, olhos castanhos e o corpo cheio de tatuagens. Mas o que a torna quase única é um desvio arterial no cérebro que provoca o que a ciência chama de “a pior dor do mundo”. O diagnóstico de Carol, Neuralgia do Trigêmeo (NT), afeta 0,0043% da população global – a cada 100 mil pessoas, entre 4 e 27 desenvolvem a condição – e está ligado aos batimentos do coração.

“A artéria do meu cérebro, que irriga o coração, é tortuosa e acaba pressionando o nervo trigêmeo. Quanto mais o tempo a, quanto mais vida eu tenho, quanto mais o coração bate, mais essa artéria pulsa e machuca o nervo, até que ele chega a um ponto de ficar completamente desencapado, como um fio de eletricidade. As dores são como choques”, explica ela.

Carolina se contorce, grita, chora, fica sem respirar e, algumas vezes, vomita quando sente a pior dor do mundo, que pode surgir a qualquer hora. As crises marcaram grandes momentos da estudante, como a gravidez e o casamento – quando chegou a desmaiar de dor –, e também fatos cotidianos, como idas ao supermercado ou aulas da graduação. A conversa com a reportagem de O TEMPO foi remarcada duas vezes devido às crises.

Desde 2013, quando sentiu os choques pela primeira vez, grávida da filha e chorando no colo do pai, Carolina ou por cerca de 70 médicos, fez seis cirurgias e tentou inúmeros tratamentos. O diagnóstico veio depois de quatro anos. Vivendo praticamente acamada e com gastos de cerca de R$ 5.000 por mês apenas com saúde, Carolina tem considerado a eutanásia na Suíça – a vaquinha online para esse fim já atingiu 96% da meta de R$ 150 mil.

O último pedido de Carol seria uma viagem com a filha Isabela, 11. “Desde sempre, minha filha me viu com dor. Quando eu desmaio, ela me abraça, fica ao meu lado, me dá a bomba de morfina. Eu só queria um momento de felicidade, sem dor, com minha família. Ao menos por um dia”, conta. 

Diagnóstico só saiu após exames no Japão

“Ele nasceu rosa”, disse a médica obstetra quando pegou Othavio Augusto Sousa no colo pela primeira vez, no Hospital Sarah Kubitschek, em BH. O menino veio ao mundo com 33 semanas, 1,3 kg e 38 cm, após parar de se desenvolver na placenta. “Ele cabia na minha mão”, conta a mãe, Helair de Sousa.

ados 11 anos, ela ainda carrega Othavio no colo. “Parece que tem 4 anos, né?”, comenta, enquanto aguarda com o filho mais um atendimento fonoaudiológico. A baixa estatura se manteve. Agora, a família entende o motivo: quando Othavio tinha 5 anos, em 2018, um exame realizado no Japão identificou a mutação genética característica da síndrome de Cornélia de Lange.

A doença rara afeta de 3 a 10 pessoas a cada 100 mil nascimentos, causando baixa estatura, deficiência intelectual, anomalias nos membros, refluxo gastroesofágico. “Nós amos por vários médicos”, diz. Agora, o acompanhamento genético, feito em São Paulo, busca identificar como as células dele se comportam e como será a vida dele. “A síndrome não tem cura. Eu não sei como é, mas deduzo que dói, porque ele deita no chão e rola. É desesperador”, conta.