A primeira vez que uma música de nome carimbó migrou do Norte para o Sudeste do país em formato de disco foi em 1974, graças à cantora Eliana Pittman. A história começou de maneira inusitada. Durante uma turnê da cantora em São Luís do Maranhão o avião sofreu uma pane. Enquanto esperava, numa barraca de praia, Eliana descobriu o ritmo na voz de Pinduca. Fez o que pôde para comprar o LP da senhora que lhe vendia quitutes, mas não a convenceu. De volta ao Rio de Janeiro, gravou um sem número de canções do autor.

Mais de 40 anos depois, a música do Estado natal de Billy Blanco, Fafá de Belém, Jane Duboc, Ary Lobo, Gaby Amarantos e Leila Pinheiro, “hoje comanda o Brasil”. É o que garante a intrépida Dona Onete, uma das atrações da segunda edição do Festival Giro Brasil que, neste sábado (11), celebra o encontro da música paraense com a das Minas Gerais. Do alto de seus 78 anos, Onete convida a ver “a força bruta e sensual do carimbó chamegado”. E conta uma história capaz de convencer aos mais céticos e desconfiados. “Fiz um show em que uma mulher de 90 anos subiu no palco, tirou os sapatos, e dançou o carimbó. Parecia que estava preso dentro dela. Ela estava tão feliz, tão alegre. Fiquei maravilhada! É o nosso ritmo, a vontade de dançar está dentro do paraense”, assegura a intérprete, que promete entoar seus maiores sucessos para deleite do público mineiro.

São os casos de “No Meio do Pitiú” e “Boto Namorador”, esta última feita para a novela “A Força do Querer”. “Glória Perez queria uma música sobre a lenda do boto e não achava, então me pediu uma. Me inspirei no nosso folclore. O que tem de música linda aqui você não imagina, nossos músicos são criativos”, elogia. E dispara uma pergunta já emendada na resposta: “Você não gosta? Então, não é só a minha música, é a de todo o Pará”.

Conexões. Para provar o que fala, Onete convida a subir ao palco com ela o músico Felipe Cordeiro, 33, um dos destaques da nova geração da música paraense. Com dois discos independentes na bagagem, o artista tem por hábito misturar a tradição à modernidade, ao agregar elementos de rock, eletrônica e MPB ao carimbó, guitarrada, tecno-brega e outros estilos. “As conexões são a minha matéria-prima. A gênese do nortista tem a ver com essa renovação antropofágica, gerar uma cultura de contradição com um jeito próprio, que traz o Caribe para a música pop a partir de uma dicção moderna”, assegura.

“Não sou nem vanguarda nem tradição, faço os elos, ligo o espírito da New Wave ao brega paraense, trago coisas da Vanguarda Paulista, Tropicália, Manguebeat”, complementa. Autor de “Fogo da Morena” (gravada por Maria Alcina) e parceiro de Arnaldo Antunes em “Ela É Tarja Preta”, Cordeiro ite que a sua “dobradinha com Dona Onete” estará centrada no repertório da cantora. Apesar disso, de sua autoria estão confirmadas “Legal e Ilegal” e “Problema Seu”, dois de seus maiores êxitos até o momento.

Troca. Formado por Arthur Kunz e Leo Chermont o Duo Strobo apresenta na capital a peculiaridade do som que eles extraem usando apenas guitarra, bateria, efeitos e programações. Egressos da nova onda de valorização da cultura local, eles atribuem essa força a uma saudável troca entre gerações. “A relação em Belém dos artistas mais consagrados com os novos é de comunhão, estamos todos ligados. Nós já tocamos em banda de merengue, com Mestre Laurentino, Dona Onete”, ressalta Chermont.

A “estranheza” de músicas que estarão no show como “Salinas” e “Cracolândia” chamou a atenção de Marina Lima, que compôs com a dupla a canção “Vingativa”. “A gente tem essa coisa doida de sair testando as coisas, e a Marina gosta disso, é uma artista inquieta”, elogia Chermont, que usa uma palavra para definir a música do Pará com a qual se identifica: calor.

Quente. O atributo reaparece, em outra expressão, na boca da DJ Palomita. A mineira é residente da festa “Só Te Digo, Vai!”, responsável por propagar a cultura paraense em BH. Para o festival, ela preparou uma apresentação com muito carimbó, guitarrada, lambada, siriá e brega pop. “É uma música quente, assim como as comidas e as pessoas de lá. Estão sempre de portas abertas para o mundo, com a alma e o coração”, enaltece. Matheus Brant, outro mineirinho nessa festa e criador do “Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro”, um dos principais blocos de rua da cidade, ratifica o quanto as diferenças podem ser complementares. “A música paraense fala mais ao corpo, ao desejo carnal, influenciada pelo calor amazônico e ritmos caribenhos, a música mineira dialoga mais com a alma, a interioridade”. É desta fusão que emergem as músicas que Brant leva à plateia hoje, presentes em seu disco “Assume Que Gosta”. “Quis criar algo que preservasse a vitalidade sem perder o aspecto poético”, diz.


Agenda

O quê. Festival Giro Brasil

Quando. Neste sábado (11), às 21h

Onde. Mercado Distrital do Cruzeiro (rua Ouro Fino, 452, Cruzeiro)

Quanto. R$ 20 (inteira)