Mofo, cupim, insetos e toda sorte de agressões naturais que recaem sobre qualquer tipo de acervo físico. Para lidar com isso tudo, museus precisam de recursos. Como nem o preço do ingresso e nem o poder público têm conseguido pagar a conta, muitas instituições não têm visto outra alternativa senão fechar as portas.
De acordo com a plataforma do Cadastro Nacional de Museus, ado nesta quarta-feira (4), atualmente são 385 museus fechados no país, de um total de 4.010 museus cadastrados no banco de dados. Isso equivale a 9,6% dos museus do país listados.
A plataforma é hospedada no site do Instituto Brasileiro de Museus, o Ibram, vinculado ao Ministério da Cultura. A maioria pertence ao poder público - ao todo são 263 museus públicos fechados.
Destes, 167 são istrados pelos municípios brasileiros, enquanto 64 são pertencentes aos Estados ou Distrito Federal. Sob a esfera federal, são 32 museus públicos fechados atualmente.
Na privada, são 112 museus fechados, entre empresas, associações, fundações e entidades religiosas. Há ainda três de economia mista. Dos museus fechados, sete não informaram a que esfera pertencem no cadastro.
A maioria dos museus fechados está em São Paulo, com 76. Em seguida vêm Minas Gerais, com 52, e Rio Grande do Sul, com 36. Em quarto lugar vem o Rio de Janeiro, que tem 32 instituições paralisadas.
Isso significa que São Paulo e Minas têm 11% de seus museus fechados, o Rio Grande do Sul tem 7,3% e o Rio de Janeiro tem 9,6%.
Para Diego Vaz Bevilaqua, presidente do Icom Brasil, o Conselho Internacional de Museus, esse número de museus fechados deve ser analisado com critério.
Segundo Bevilaqua, é possível que, entre os museus fechados, estejam aqueles em reforma - o que algo de se esperar para instituições sediadas muitas vezes em casarões históricos. O Ministério da Cultura, porém, afirma que não tem detalhamento sobre os motivos dos fechamentos caso a caso. Independente disso, ter um museu fechado por falta de recursos, que seja, já é muito chocante, diz o presidente do Icom.
Um deles é o museu do tradicional grupo de teatro de bonecos Giramundo, em Belo Horizonte. O grupo, que já adaptou Mozart, Prokofiev, Carlos Gomes e já ganhou até o prêmio Molière de teatro, não conseguiu manter seu museu de bonecos funcionando.
O diretor do grupo, Marcos Figueiredo, conta que a casa está fechada desde o auge da pandemia, e aponta como motivo os custos de manutenção, infraestrutura, atendimento e conservação do acervo. "Esses custos fixos não são cobertos pelo valor do ingresso", diz Figueiredo.
"Nas leis de incentivo, a gente vem encontrando uma dificuldade crescente de aprovação de projetos", diz o diretor do Giramundo, "uma vez que os recursos ao nosso ver estão limitados e o volume de proponentes só cresce [nas leis de incentivo]". "O recurso é o mesmo para um número maior de projetos inscritos."
"A gente viveu um período de represamento", diz Figueiredo, sobre os anos do governo Jair Bolsonaro (PL), marcado pelo desmonte do setor cultural. "Quando esse represamento deixou de existir, a gente percebe uma inundação de projetos. A demanda reprimida ficou muito alta. Mas pelo menos existem vários canais de diálogo [com o governo]. O que está acontecendo é um trabalho de formiga", diz, sobre a retomada do MInC, após ter sido rebaixado a secretaria no governo anterior.
A situação de projetos que abrigam coleções, acervos e memória é ainda pior porque demandam o fluxo de recursos constante. "Quando esse fluxo não vem, o que acontece rapidamente é destruição de acervos, perda de memória. No nosso caso, por exemplo, o que a gente luta aqui é para que a gente não perca o objeto físico", diz Figueiredo "É muito angustiante. A gente se sente impotente para dar conta da proporção desse acervo."
No momento, ele trabalha formatando um projeto de reabertura do Museu Giramundo, e espera que consiga reabri-lo em 2026.
Há ainda novas questões a serem enfrentadas neste contexto pós-Bolsonaro. Uma delas advém da forma como estão sendo postas em prática a Lei Paulo Gustavo e a Política Nacional Aldir Blanc, que transferem recursos da União para que os Estados e municípios os executem.
O presidente do Conselho Internacional de Museus aponta um tiro que saiu pela culatra Brasil afora. Muitos municípios, ao receberem os recursos federais, deixaram de investir recursos próprios na cultura. "Em muitos casos, ao invés de se verificar um aumento de investimentos em museus, houve diminuição ou até estagnação", diz.
Há ainda museus fechados por falta de pessoal no país inteiro, diz Beviláqua. Nessa seara, muitos museus públicos se encontram numa encruzilhada. De um lado, o governo federal não faz muitos concursos públicos para contratar mais gente. Por outro, aqueles que optam por terceirizar parte de seu pessoal, há o corte de orçamento do MinC, que dificulta contratações.
"Na minha percepção enquanto servidora do Ibram, eu vejo que isso é, em parte, consequência do baixo investimento a nível federal", diz Ruth Vaz, educadora museal concursada e membro da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal.
"O Ibram foi criado em 2009, com servidores do Iphan, e no início de 2010 foi realizado o único concurso até agora. O próximo preenchimento de vagas deverá ser esse ano no Concurso Público Nacional Unificado. Porém, das 285 vagas que precisamos repor, foram liberadas 28", diz a servidora.
"Nós já atuamos no Ibram com o mínimo de orçamento e com pouquíssimas pessoas, em relação a demanda real das estruturas de museus", diz Vaz. "A realidade nos Estados e município, salvo raras exceções, é invariavelmente pior que em nível federal, e com menos estrutura ainda de pessoal para estruturar, por exemplo, a distribuição de investimentos como o da PNAB para os museus."
"Os museus não são lugares para guardar coisas velhas. São para refletir o ado e pensar o futuro", diz Figueiredo, do Giramundo.
"Quando os museus são destruídos, constrói-se uma identidade vazia, de terra destruída", diz. "É um sinal muito grave de adoecimento social e político."
A reportagem entrou em contato com o MinC, questionando o porquê do cenário de falta de recursos mesmo após as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc terem irrigado o setor cultural brasileiro, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.