MOSTRA DE TIRADENTES

Filmes dão uma cara bem brasileira a gêneros como faroeste e horror

"Oeste Outra Vez" e "Prédio Vazio" alcançam bons resultados com a inclusão de elementos geográficos e culturais

Por Paulo Henrique Silva
Publicado em 28 de janeiro de 2025 | 10:10

TIRADENTES. A casa mal-assombrada e a vingança desenfreada são temas caros ao terror e ao faroeste, respectivamente. Cheios de códigos próprios, esses sub-gêneros são, de certa maneira, desafiados por uma perspectiva geográfica e cultural em  "Prédio Vazio" e "Oeste Outra Vez", duas atrações da 28a Mostra de Cinema de Tiradentes.

Dirigido por Rodrigo Aragão, que vem galgando o posto de sucessor de José Mojica Marins no horror nacional, "Prédio Vazio" põe em destaque a cidade capixaba de Guarapari e a característica de receber milhares de turistas na época de férias, com apartamentos à beira da praia que ficam praticamente vazios durante o resto do ano.

Junto a isso se soma outro elemento, com o fato de o Espírito Santo chamar a atenção pelos índices de criminalidade. Não é por acaso que o filme tem protagonistas mulheres, já que os personagens masculinos são violentos ou tóxicos. Na trama, um prédio marcado por violências acaba se tornando o lugar onde mãe e filha resolverão seus traumas.

A ideia de grupos serem levados para um local demoníaco ou gerido por um psicopata para viverem ou morrerem em função de suas personalidades é muito presente no cinema de horror, como em "Sexta-Feira 13", "A Casa do Espanto", "Amityville" e "A Morte do Demônio".  São como lugares de depuração humana.

No que inicialmente parece ser uma comédia de horror, com vários diálogos engraçadinhos, vai ganhando tensão gradativamente. Aragão não esconde as limitações, especialmente em matéria de efeitos especiais, e conduz o trabalho para um horror social que pode ser divertido se não levarmos tudo tão a ferro e fogo.

A questão de "Oeste Outra Vez" não está na impossibilidade de ser um faroeste tal e como é feito nos Estados Unidos, onde o gênero nasceu e prosperou, especialmente no século ado. Neste aspecto, o diretor goiano Érico Rassi se sai muito bem na construção de sequências de tiroteios, perseguições e duelos.

Há longos momentos de silêncio e quando os personagens abrem a boca para dizer o mínimo, além de enquadramentos que destacam um cenário ermo e selvagem, embora o filme seja ado nos dias de hoje, onde pick-ups substituem cavalos e o antigo saloon dá lugar a um daqueles bares típicos de estrada sem grande movimento.

Não é por acaso que o único instante em que aparece uma mulher, logo nas primeiras cenas, praticamente não ouvimos a sua voz. Ela é a pivô de uma briga incansável entre dois homens, aparentemente entre o ex e o atual namorado. Nunca mais a veremos, como se, em nenhum momento, ela fosse ouvida sobre o que está acontecendo.

É desse universo que "Oeste Outra Vez" quer falar, se aproximando de "Prédio Vazio" na maneira como condena essa perspectiva masculina, nos fazendo enxergar a infantilidade (a briga inicial parece expor duas crianças teimosas) e a violência que brota naturalmente quando se é incapaz de lidar com a frustração e a perda.

Ao nos levar aos tempos do faroeste e da fundação da sociedade, Rassi nos diz que o homem está cada vez mais atrelado a sentimentos que não vislumbram um entendimento de futuro. Esse homem está falido, como bem mostra os instantes finais, quando surgem solitários, bebendo e dançando para afugentar a dor. 

Com boas atuações de Ângelo Antônio, Babu Santana, Antônio Pitanga e, em especial, Rodger Rogério (violeiro cearense octagenário recém-descoberto para o cinema), que faz um pistoleiro cuja trajetória é o próprio extrato do filme, "Oeste Outra Vez" é um western bem à brasileira, capaz de incorporar o gênero em prol de temas urgentes de hoje.

(*) O repórter viajou a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes