Agro impulsiona alta do PIB no 1º trimestre e ofusca aperto dos juros na economia
A recuperação no campo é associada a melhores condições climáticas e ganhos de produtividade

A recuperação da safra agrícola impulsionou a agropecuária e ofuscou o impacto do aperto dos juros sobre os demais setores da economia brasileira no primeiro trimestre de 2025. É o que sinalizam dados do PIB (Produto Interno Bruto) divulgados nesta sexta-feira (30) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
No primeiro trimestre, o PIB cresceu 1,4% ante os três meses finais de 2024, e o resultado foi puxado pela alta de 12,2% na agropecuária, disse o instituto. Enquanto isso, o setor de serviços mostrou leve avanço de 0,3%, e a indústria encolheu 0,1%.
Ao ser questionada pela Folha se a agropecuária ofuscou o impacto restritivo dos juros, a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, respondeu de modo positivo. Ela afirmou que o bom desempenho no campo "diminuiu o efeito" do aperto monetário sentido pelas demais atividades.
"Não dá para quantificar exatamente, mas a agropecuária, como é um setor primário e tem uma cadeia produtiva comprida, influencia positivamente vários setores", disse a técnica em entrevista a jornalistas.
A recuperação no campo é associada a melhores condições climáticas e ganhos de produtividade, além da base de comparação fragilizada, segundo o IBGE.
Ao longo do ano ado, a agropecuária foi afetada pela falta de chuva em diferentes regiões produtoras e pelas enchentes históricas no Rio Grande do Sul.
A taxa básica de juros vem subindo em uma tentativa do BC (Banco Central) de conter a inflação. Na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), neste mês, a Selic atingiu 14,75% ao ano -maior nível em quase duas décadas.
O aperto encarece o crédito, dificultando o consumo das famílias e os investimentos produtivos, embora esses dois componentes do PIB tenham crescido 1% e 3,1% no primeiro trimestre.
No caso do consumo, Rebeca associou o resultado a fatores como o cenário positivo do mercado de trabalho, além de programas do governo de transferência de renda.
Em relação aos investimentos, ela citou, por exemplo, impactos de importações, incluindo plataforma de petróleo, e desembolsos na área de desenvolvimento de software.
"Há um efeito muito forte do agro. O resto da economia está num processo de desaceleração com os juros, que a gente está vendo acontecer e que vai aparecer ainda mais nos próximos trimestres", afirma o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sergio Vale.
Após a divulgação dos dados do IBGE, ele manteve a previsão de alta de 2,2% para o PIB no acumulado de 2025.
Porém, sem o efeito da safra agrícola e com os juros ainda elevados, é possível que a economia tenha algum recuo no recorte trimestral ao longo do segundo semestre, projeta Vale. "Seria uma queda na margem, não uma recessão profunda. Não tem nada disso por ora no cenário."
Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de macroeconomia da consultoria Tendência, afirma que o consumo das famílias voltou a ganhar força, o que está ligado a um mercado de trabalho que se mantém aquecido. Mas avalia que a economia está em processo de desaceleração moderada, de uma expansão que chegou a quase 4% no final do terceiro trimestre do ano ado e está agora em 2,9% na comparação anual.
"A economia vem perdendo tração, de maneira moderada, e isso deve se aprofundar especialmente no segundo semestre, a partir do momento em que ela começa a captar mais os efeitos dessas condições financeiras bastante apertadas", afirma Ribeiro, que projeta crescimento de 2,3% neste ano e 1,6% no próximo.
Segundo a economista, um risco para esses resultados é uma desaceleração mais forte da economia global e da China, por conta da guerra comercial.
Por outro lado, o aumento dos estímulos por parte do governo pode levar a resultados mais fortes. "Medidas que fortaleçam principalmente o consumo, tendo em vista a eleição, podem elevar essas projeções para 2025 e 2026. O problema é que essa conta vai ser paga lá na frente. O risco de uma desaceleração maior a partir de 2027 também aumenta."
Claudia Moreno, economista do C6 Bank, afirma que o PIB mostrou crescimento forte no primeiro trimestre, mas deve apresentar resultados mais fracos no restante do ano, fechando 2025 com expansão de 2%.
"Se desconsiderarmos a agropecuária, já estamos vendo alguma desaceleração da atividade, mas essa desaceleração deve ser gradual", afirma a economista.
Ela destaca duas forças que atuam sobre o PIB em sentidos opostos: a taxa de juros elevada e estímulos fiscais e creditícios. "Por um lado, a Selic tende a desacelerar a atividade, de outro, os estímulos do governo impedem uma desaceleração mais acentuada da economia."
Arnaldo Lima, economista e RI da Polo Capital, afirma que o resultado do PIB trimestral é compatível com uma expectativa de crescimento de 2,2% do PIB para este ano. Ele afirma que, mesmo em um ambiente de política monetária contracionista, a taxa de investimento como proporção do PIB alcançou 17,8%.
"Apesar do bom desempenho da FBCF [Formação Bruta de Capital Fixo], é cedo para afirmar que há uma mudança estrutural na economia. O crescimento sustentado requer avanços em produtividade, melhoria da qualidade da educação e estabilização da dívida bruta -fatores ainda pendentes."
A Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) disse que o desempenho do PIB no primeiro trimestre "evidencia a fragilidade da atividade industrial e alerta para a tendência de desaceleração no segundo semestre".
"A taxa de juros ainda elevada e a inflação persistentemente acima da meta comprometem o dinamismo do consumo e dos investimentos, afetando especialmente o setor industrial e os serviços dependentes da demanda doméstica", afirmou o economista-chefe da federação, Jonathas Goulart.