NA POLÍCIA FEDERAL

Ainda não entendeu como funcionava a fraude do INSS? Descubra os detalhes mais importantes

Entenda o que as investigações apuram e quem pode estar por trás do esquema

Por Luciana Lazarini e Mateus Vargas/Folhapress
Publicado em 01 de maio de 2025 | 10:27

A investigação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre fraudes em descontos de aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) suspeita de desvio de dinheiro, envolvimento de servidores, adesões de aposentados sem consentimento e falsificação de s.

Segundo a auditoria, sindicatos e associações cadastravam indevidamente aposentados e pensionistas e avam a aplicar descontos em seus benefícios diretamente da folha de pagamentos.

Muitas vezes, o desconto indevido não era percebido, pois os beneficiários não tinham o ao Meu INSS para consultar o extrato mensal de pagamentos. Além disso, os descontos apareciam no extrato em meio a outros abatimentos, como o de empréstimos consignados e do Imposto de Renda, por exemplo, para quem está acima do limite de isenção.

A auditoria aponta ainda relatos de dificuldades para fazer o cancelamento. Mesmo assim, apenas no primeiro trimestre de 2024, 5,4 milhões de aposentados e pensionistas pediram exclusão de mensalidade ao INSS.

Também há documentos apontando a liberação em lote de novas adesões, fator que acendeu o alerta em órgãos de regulação. Entre 2019 e 2024, a soma dos valores descontados de benefícios do INSS chega a R$ 6,3 bilhões, mas ainda será apurado qual porcentagem é ilegal, segundo a Polícia Federal.

Os descontos de associações sobem desde 2019, mas o aumento atípico após 2022 — com movimentações no Congresso que impediram regras mais duras para esses débitos — chamou atenção.

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Como funcionavam os descontos na fraude do INSS?

De acordo com a investigação, apesar dos indícios de irregularidade e da existência de milhares de processos judiciais contra entidades, o INSS continuava autorizando descontos, com base apenas em uma lista mensal de segurados fornecida à Dataprev (empresa de tecnologia que cuida dos sistemas do órgão) pelas próprias entidades associativas, "sem a necessária verificação documental". Treze associações foram investigadas, e 11 acabaram alvo da operação Sem Desconto. 

A CGU identificou cadastros de aposentados que teriam aderido a duas associações no mesmo dia, segundo ofício enviado à Dataprev.

Uma dessas autorizações repetiu erro de digitação no nome do segurado, o que levou o órgão a ver indícios de uma "indústria de produção de termos de descontos ilegítimos, utilizados ilegalmente pelas entidades associativas".

Em entrevistas feitas no Nordeste, aposentadas tinham descontos ligados a uma associação localizada a 386 km da cidade onde moram.

"É pouco provável que tais aposentadas fossem buscar vinculação e assistência sindical tão longe quando o município de Raposa (MA), cidade do litoral maranhense, conta com sindicato de pescadores", aponta o documento.

Como a PF desconfiou das fraudes do INSS?

Há indícios de falsificação de s, segundo a Polícia Federal. Em entrevistas feitas pela auditoria, houve relatos de beneficiários que não reconheceram as s dos documentos de filiação para autorização do desconto.

Dentro da amostragem feita pela investigação, todos os entrevistados de 21 entidades informaram que não tinham autorizado o desconto, e em sete delas, esse percentual variou de 71% a 99%, diz o relatório.

Associações e sindicatos com convênios com o INSS têm previsão legal para aplicar descontos de mensalidades de seus associados, mas a autorização dos beneficiários é obrigatória.

O que a lei diz sobre descontos nos benefícios do INSS?

Segundo o advogado Rômulo Saraiva, especialista em Previdência, se não houve o consentimento, essas entidades já violaram a lei desde seu princípio. "Além disso, a legislação prevê que a associação seja sem fins lucrativos, embora estivessem recebendo milhões todos os meses, o que indica fraude", afirma o especialista.

O INSS informou que os Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) firmados com todas as associações, que viabilizam os descontos, estão suspensos, bem como os descontos nos benefícios. Segundo o órgão, o bloqueio será mantido até que seja concluída a reavaliação da regularidade e dos rees.

Como era a infraestrutura das associações?

O relatório da CGU aponta que as sedes de algumas das associações investigadas eram pequenas e sem condições de atender uma grande quantidade de associados espalhados pelo Brasil. Também fala em representantes de fachada em algumas delas.

Para onde ia o dinheiro descontado na fraude do INSS de aposentados e pensionistas?

A Polícia Federal investiga pagamentos indevidos a servidores que atuaram na cúpula do INSS e aponta Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como "careca do INSS", como um lobista que representava empresas dentro do instituto, cooptando funcionários, para liberar descontos em massa.

Antunes teria recebido R$ 53,58 milhões de entidades associativas e de intermediárias. Segundo a investigação, o lobista estaria no "epicentro da corrupção ativa" e usaria empresas para prestar serviços de consultoria a associações de aposentados. Ele teria reado R$ 9,32 milhões a servidores e empresas ligadas à cúpula do INSS.

A suspeita recai sobre pagamentos de Antunes direcionados, direta ou indiretamente, a dois ex-diretores e ao ex-chefe da Procuradoria do instituto.

A defesa do empresário disse, na quinta (29/04), que as acusações "não correspondem à realidade dos fatos". "Ao longo do processo, a inocência de Antonio será devidamente comprovada", afirmam os advogados Alberto Moreira e Flávio Schegerin.

Segundo a investigação, uma das empresas de Antunes, a Prospect Consultoria, teria recebido R$ 11 milhões da Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), apontada como uma das associações com acordos formais com o INSS que mais cresceu durante o período, e uma das entidades investigadas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) em São Paulo.

A Ambec afirmou à reportagem na quinta que "não pratica atividade ostensiva de captação, prospecção e afiliação de seus associados, sendo tais atividades praticadas por empresas privadas diversas, de forma que, se qualquer fraude ocorreu, a associação é tão vítima quanto seus associados".

Como os servidores do INSS estariam envolvidos no esquema?

O relatório da PF aponta ainda que o procurador-chefe do INSS afastado Virgílio Antonio Ribeiro de Oliveira Filho e pessoas ligadas a ele teriam recebido R$ 11,9 milhões de Antunes. A defesa de Virgilio não foi localizada.

A Polícia Federal aponta a atuação da cúpula do INSS para liberar o desconto em massa de aposentadorias em favor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Segundo a investigação, o instituto deu aval para a consignação da mensalidade associativa em 34.487 benefícios a partir de uma lista encaminhada pela entidade. Questionada na quarta (28/04), a confederação enviou nota na qual reforça sua atuação na luta por direitos de trabalhadores rurais, agricultoras e agricultores familiares.

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