“Não sabemos quando as nossas vidas serão resgatadas, e se isso um dia será possível”. O desabafo da lavradora Maria do Carmo da Silva, de 50 anos, é de quem tem ainda vivas na memória as lembranças do fatídico dia 5 de novembro de 2015, data do rompimento da barragem do Fundão, da Samarco, em Mariana, na região Central de Minas Gerais. Oito anos após a tragédia que deixou 19 pessoas mortas, devastou o Rio Doce e atingiu cidades mineiras e do Espírito Santo, a lavadora, que residia no distrito de Paracatu, ainda aguarda por indenização. “Estamos na mesma casa que nos mudamos em 2015, após a tragédia. É uma casa ruim, sem estrutura e não temos nenhuma expectativa de melhorias”, acrescenta.    

O drama vivenciado pela lavradora é o mesmo de milhares de famílias afetadas pelo rompimento da barragem do Fundão. De janeiro a outubro deste ano, a Cáritas, organismo da Igreja Católica que apoia iniciativas populares, realizou 3.500 atendimentos. Desde que a organização começou a atender atingidos pela tragédia, que foi considerada como o maior desastre ambiental do país, 1.500 famílias procuraram a Cáritas em busca de orientação e acompanhamento nas ações de indenização. São 5.236 pessoas assistidas ao longo dos últimos anos. Nesta quarta-feira (1º de novembro), a organização apresentou um balanço dos trabalhos. 

“É um desafio constante. Hoje, os nossos principais problemas estão relacionados a indenização. O que está sendo feito é algo muito cruel, há um empobrecimento dessas famílias”, avalia Rodrigo Pires Vieira, coordenador de projetos da Cáritas. Ele questiona as indenizações coletivas e afirma que esses acordos ignoram as particularidades de cada um dos atingidos. “A pessoa que tinha um pé de jabuticaba com mais de 40 anos e usava a fruta para fazer doces, por exemplo, está recebendo a proposta de ser indenizada com o valor de uma muda. Não pode ser assim”, argumenta.     

Oito anos após o rompimento da barragem, sem julgamento dos culpados, a Justiça ainda discute diversas ações indenizatórias aos atingidos. No dia 16 de outubro, o Ministério Público do Espírito Santo (MP-ES) e instituições do sistema de Justiça capixaba e de Minas Gerais protocolaram uma petição pedindo a condenação das empresas Vale, BHP e Samarco ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. A ação, apresentada na 4ª Vara Federal Cível Agrária de Belo Horizonte, pede o pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 100 bilhões. No Reino Unido, uma ação coletiva de mais de 700 mil brasileiros também pede uma indenização de US$ 44 bilhões as empresas.    

“A minha mãe, que precisou sair de casa, morreu sem receber indenização. Meu pai, hoje com 90 anos, não tem expectativa de um dia ser indenizado. É esse o mesmo sentimento que tenho em meio a essa morosidade”, desabafa a lavradora Maria do Carmo. A atingida foi contemplada com um reassentamento familiar, em que as pessoas escolhem uma casa ou um terreno em outro local, fora dos reassentamentos coletivos. Ela recusou ser transferida para reassentamentos coletivos. “São lugares que inventaram para as pessoas viverem. Nada nestes locais é como era antes”, justifica.  

A avaliação da lavradora é a mesma do coordenador de projetos da Cáritas, Rodrigo Vieira. Segundo ele, no reassentamento coletivo de Bento Rodrigues, onde 196 famílias devem ser abrigadas, as casas entregues pela Fundação Renova, que têm a missão de implementar e gerir os programas de reparação dos impactadas do rompimento da barragem, não atendem as necessidades dos atingidos e apresentam problemas de infraestrutura.   

“Essas pessoas não têm garantia que água bruta, que é para os cuidados dos animais e das plantas. A maior parte dessas famílias viviam do doce que faziam, das verduras que cultivavam, dos animais que tinham. Não ter a garantia de água bruta é um transtorno para essas pessoas. Imagina quem sempre produziu seu próprio alimento ter que comprar um pé de alface por R$ 5 e cheio de agrotóxicos”, relata o coordenador. Ainda segundo Rodrigo, somado a esse problema, as casas possuem questões estruturais. “Ralos fora do lugar, infiltração, quartos pequenos. Condição que tornam estes espaços até mesmo inabitáveis”, conclui. 

Em nota, a Fundação Renova afirmou que até agosto de 2023 foram destinados R$ 32,66 bilhões para as ações de reparação e compensação. Do montante, R$ 13,17 bilhões foram para indenizações e R$ 2,55 bilhões para Auxílios Financeiros Emergenciais (Veja nota completa abaixo).

Já a BHP afirmou que segue comprometida com as ações de reparação e compensação relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão (Leia mais abaixo)

A reportagem de O TEMPO  também entrou em contato com a Vale sobre as reinvindicações dos atingidos e da Cáritas. A matéria será atualizada com os posicionamentos.

Posicionamento Renova

A reparação começou logo após o rompimento da barragem de Fundão. Foram solucionados 405 casos de restituição do direito à moradia com a entrega do imóvel ou o pagamento de indenização, e outros 284 já têm solução definida, de um total de 719 casas, comércios, sítios, lotes e bens coletivos. Nos reassentamentos coletivos de Bento e Paracatu, 72 imóveis (casas, comércios, sítios e lotes) foram entregues aos novos moradores. Dos 248 imóveis previstos em Bento, 168 estão com obras finalizadas. Em Paracatu, dos 93 imóveis previstos, 66 estão com obras finalizadas até 29 de setembro.  

O monitoramento hídrico da bacia do rio Doce demonstra que a qualidade da água retornou aos parâmetros similares aos anteriores ao rompimento da barragem de Fundão. Ações integradas de restauração florestal, recuperação de nascentes e saneamento estão acontecendo ao longo da bacia e visam à melhoria da qualidade da água.  

Até agosto de 2023 foram destinados R$ 32,66 bilhões às ações de reparação e compensação. Desse valor, R$ 13,17 bilhões foram para o pagamento de indenizações e R$ 2,55 bilhões em Auxílios Financeiros Emergenciais, totalizando R$ 15,72 bilhões para 431,2 mil pessoas.  

Necessidades individuais

As chaves dos imóveis só são entregues após vistoria do morador, que pode ser acompanhada pela assessoria técnica independente. Cada casa tem um projeto arquitetônico e construtivo individual e exclusivo, que considera as expectativas e necessidades de cada família. A obra só começa após a aprovação final do desenho pelos futuros moradores, que podem acompanhar todas as etapas. Eventuais reparos a serem realizados na casa fazem parte da programação.  

Após a entrega das casas às famílias nas modalidades de reassentamento coletivo, familiar ou reconstrução, a Fundação Renova vai pagar o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e as contas de energia elétrica e de água durante cinco anos. Os comércios das famílias e os bens de uso coletivo também terão seu IPTU e contas de luz e de água pagos pela Fundação Renova, seguindo os mesmos critérios dos imóveis residenciais, desde que tenham CNPJ ativo. Lotes vagos e famílias que optaram por pecúnia e autogestão nos reassentamentos familiares não se enquadram neste caso.   

A Fundação Renova informa que realiza os atendimentos relacionados aos pedidos de reparação financeira relativos ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG) no âmbito do Programa de Indenização Mediada (PIM), programa criado para ressarcir pessoas físicas, micro e pequenas empresas que sofreram danos concretos e comprováveis. Estes danos, sejam eles materiais ou morais, devem ser consequência direta do rompimento da barragem.  

Posicionamento BHP

A BHP Brasil sempre esteve e segue comprometida com as ações de reparação e compensação relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em 2015. Como acionista da empresa, a BHP Brasil segue disposta a buscar, coletivamente, soluções que garantam uma reparação justa e integral às pessoas atingidas e ao meio ambiente.